Imprudência e problemas de saúde são principais causas de mortes em rodovias federais
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Imprudência e problemas que podem estar relacionados à saúde do motorista estão entre as principais causas de acidentes de trânsito com vítimas nas rodovias federais brasileiras.
Os dados fazem parte de um estudo realizado pela Abramet (Associação Brasileira de Medicina de Tráfego) a partir de registros da Polícia Rodoviária Federal e publicado nesta quinta-feira (22).
Segundo a análise, fatores humanos e relacionados à saúde provocaram 2.703 mortes e 33.573 feridos nas estradas federais entre janeiro e julho deste ano.
Das dez principais causas de mortes, seis estão diretamente relacionadas à imprudência. A principal delas é transitar na contramão, com 419 casos. Mas também constam velocidade incompatível, ultrapassagem indevida, acessar a via sem observar os veículos que passam e consumo de álcool.
No total, a pesquisa mostra que 3.065 motoristas morreram em acidentes de trânsito em rodovias federais nos sete primeiros meses deste ano. O número é 2% maior que os 2.997 óbitos no mesmo período de 2021.
A associação médica diz que em 2019 e nos anos anteriores à pandemia de Covid-19, a PRF não trazia classificação compatível para comparação com os dados usados no estudo.
Para Antonio Meira Júnior, presidente da Abramet, a pesquisa aponta que o fator humano é responsável por 83% dos casos. "Se o condutor não desrespeitasse as leis de trânsito e se tivesse um bom acompanhamento de sua saúde, muitos acidentes teriam sido evitados", afirma.
"O comportamento humano é o grande responsável por sinistros, até mesmo porque como a manutenção é responsabilidade do condutor, as falhas no veículo devem ser vinculadas também a ele" afirma o diretor científico da Abramet, Flavio Adura.
Os sinistros de trânsito, explica a associação, são eventos não intencionais, evitáveis, causadores de lesões físicas e emocionais.
Meira Júnior defende mais campanhas de conscientização, fiscalização e rigidez na punição. Para o médico, a legislação de trânsito brasileira "é linda", mas precisa ser mais efetiva na hora de punir infratores.
O presidente da associação médica defende que cada vez mais as vias de trânsito devem ser construídas de olho no erro das pessoas, com ruas e estradas que tenham menos curvas sinuosas e dispositivos de segurança e sinalização.
O engenheiro Sérgio Ejzenberg, mestre em transportes pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), concorda. "Boa parte dos acidentes são decorrentes de falhas do sistema viário. A via deve perdoar o erro", afirma. "Uma pessoa que dorme ao volante não deve bater em uma árvore, mas em uma barreira, onde esbarra com o carro, desperta e volta para rodovia."
Em nota, o Ministério da Infraestrutura diz que desde 2019 cerca de 5.000 km de rodovias federais foram renovadas em todo país, com obras de duplicação, pavimentação e restauração.
Saúde em dia Para Meira Júnior, assim como o carro precisa ser revisado antes de uma viagem, o motorista necessita passar por avaliações médicas frequentes.
Entre outros, cita deficiências visuais, distúrbios de sono e comprometimento motor ou de raciocínio como problemas de saúde que podem interferir na condução de um veículo.
O mal súbito, com perda de consciência provocada por problemas cardiológicos, como infarto e arritmias, e neurológicas, como AVC ou convulsões, também entra na pesquisa, com um total de 390 mortos e feridos.
Com quase 600 vítimas no período analisado no estudo, ausência de reação, tardia ou insuficiente lidera o ranking de mortes. E isso, segundo especialistas, pode estar relacionado tanto a problemas de saúde quanto da falta de atenção provocada pela imprudência de se manusear um celular ao volante, por exemplo -o uso comprovado do aparelho por motoristas provocou acidentes que mataram cinco pessoas e feriram outras 73 nas rodovias federais entre janeiro e julho, segundo o PRF.
André Sugawara, médico fisiatra da Rede de Reabilitação Lucy Montoro, na zona sul de São Paulo, é favorável que aplicativos de celular, como os de entrega ou mesmo GPSs, travem a partir de uma determinada velocidade, o que impediria seu manuseio com carro ou moto em movimento.
Em um retrato da violência do trânsito, 11% dos pacientes atendidos pela rede de reabilitação entre janeiro e agosto sofreram amputações e 61% se tornaram paraplégicos ou tetraplégicos.
"O trânsito não é uma prerrogativa individual, é coletiva. As pessoas precisam entender que não dá para dirigir usando aplicativo de celular ou sob efeito de qualquer coisa que diminua a atenção, como drogas, álcool ou medicamentos", afirma o médico, defensor de políticas educacionais para redução das estatísticas.
A ingestão de bebida alcoólica também é relacionada à saúde do motorista no estudo da Abramet. A combinação de álcool e direção provocou 111 mortes e 2.233 feridos nos sete primeiros meses do ano em estradas federais.
O estudante Bruno Henrique Serra Menin, 24, diz recusar entrar em um veículo se suspeitar que o motorista bebeu, mesmo que seja um amigo próximo ou parente, não importante a quantidade. Ele sabe como poucos o que isso pode provocar.
Em agosto de 2018, Menin voltava com mais quatro pessoas de uma festa de faculdade quando o motorista, em alta velocidade, tentou fazer uma ultrapassagem e para não bater em um poste, fez uma manobra brusca, perdendo o controle do carro, que bateu com o teto em um poste na região de Anália Franco, na zona leste de São Paulo.
O jovem, na época com 20 anos, ficou 24 dias internado, dos quais 15 em coma, e teve de amputar o braço direito.
O Ministério de Infraestrutura afirma que a Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito) realiza campanhas voltadas à conscientização dos condutores, pedestres e usuários das vias, relativas à educação e segurança de trânsito.
Entre elas, diz, estão o curso digital "Visão Zero", ministrado pela Business Sweden Brasil (Conselho de Comércio e Investimento da Suécia); verificação do vínculo causal de possíveis recall de veículos; o aprimoramento de normas, bem como programas destinados à prevenção de acidentes e a redução de mortalidade no trânsito, além de divulgação de conteúdos de caráter educativo, informativo, de mobilização ou de orientação social com veiculação em âmbito nacional.