Em Tocantins, 'caixa d'água do Brasil', desmate ameaça rios

Por BEATRIZ JUCÁ

FORTALEZA, CE (FOLHAPRESS) - O Tocantins tem visto o desmatamento ilegal avançar sobre seu território. No ano passado, oito em cada dez proprietários de terra que desmataram no estado não tinham autorização -mesmo assim, suprimiram vegetação de uma área equivalente a 30 mil campos de futebol, aponta relatório recente do Ministério Público.

Integrante da principal nova fronteira agrícola do país, o Matopiba (composta ainda por Maranhão, Piauí e Bahia), o estado precisa fortalecer a fiscalização e avançar na destinação de parte de seu território para frear o desmatamento, defendem pesquisadores.

No ritmo atual, o problema do desmate já ameaça as nascentes das principais bacias hidrográficas do país, uma vez que o Tocantins é conhecido como a "caixa d'água brasileira", por ser um berço de fontes importantes, inclusive para o agronegócio.

Com cerca de 91% do território ocupado pelo cerrado e 9% pela Amazônia, o Tocantins sofre principalmente com o desmatamento oriundo da grilagem e do avanço da agropecuária.

"De 2020 para 2021 o que vimos foi um aumento da área desmatada dentro do estado", diz Bianca Santos, pesquisadora do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). O Tocantins está em quarto lugar entre os nove estados da Amazônia Legal que mais aumentaram o desmatamento no período.

A pesquisadora ressalta que, quando o desmatamento ocorre próximo às nascentes, agrava a crise hídrica. Uma das maiores preocupações é o nível elevado de degradação da bacia Tocantins-Araguaia, resultante da atividade humana nos últimos 20 anos.

Quase metade dela foi desmatada, e os afluentes do rio Araguaia têm sofrido com a retirada de água para agricultura irrigada.

O Governo do Tocantins disse à Folha de S.Paulo que vem reforçando a fiscalização para combater o desmatamento. Desde março, segundo a gestão, o estado conta com sistema de alertas de desmatamento e queimadas com imagens de satélite diárias, para um monitoramento semanal.

No front do problema, povos tradicionais que sentem os efeitos do desmate e do avanço de criminosos pelo seu território apontam que é preciso mais ação tanto na esfera federal quanto na estadual.

"A questão ambiental está piorando e colocando em risco o bioma e as nossas comunidades quilombolas e indígenas. Não conseguimos usar todo o nosso território. O solo e as águas estão sendo envenenados com agrotóxicos", conta Evandro Moura Dias, da Coordenação das Comunidades Quilombolas do Tocantins.

Para ele, é preciso que os próximos governantes reconheçam legalmente as comunidades tradicionais para protegê-las de conflitos por terra.

Como se repete em todo o país, as áreas ambientais mais protegidas do Tocantins costumam estar em unidades de conservação, terras indígenas e comunidades tradicionais. No estado, 13,25% da área estão demarcados como unidade de conservação ou terras indígenas.

O estado já tem uma parte significativa do território em propriedades privadas, mas ainda há terras sem destinação de uso. De acordo com o Imazon, 90% dessas áreas sem destinação são de responsabilidade estadual.

E boa parte delas nem sequer está registrada em cartório, o primeiro passo para o processo de regularização -seja para proprietários particulares seja para transformá-las em unidades de conservação.

A ação, segundo pesquisadores, é fundamental para conseguir preservar a vegetação nativa. Isso porque, sem a destinação dessas terras, não há legislação que as proteja de invasões.

Outro ponto é que a legislação fundiária do Tocantins não impede a regularização de áreas desmatadas recentemente. O relatório "Leis e Práticas de Regularização Fundiária no Estado do Tocantins", do Imazon, aponta que invasores de terras públicas podem regularizar as áreas pagando valores irrisórios.

O hectare (10 mil m²) custa em média R$ 3,50, mas há casos casos em que, com R$ 1, o grileiro pode ter a posse definitiva da área invadida e desmatada.

O Governo do Tocantins diz que tem adotado as medidas de combate à grilagem, com regularização fundiária nos termos previstos na legislação. O governo também afirma que criou a Delegacia de Repressão e Conflitos Agrários e realiza ações em territórios quilombolas.

Há décadas, a Amazônia tocantinense vem sendo transformada para o uso da agropecuária. Nos últimos anos, porém, esse processo cresceu com o cultivo de grãos e a silvicultura, explica Renato Torres, doutor em ecologia e professor da Universidade Federal do Tocantins.

"Essa é a parte atualmente mais degradada. Nós temos em torno de 20% de cobertura vegetal remanescente nessa parte da Amazônia tocantinense", aponta.

A área de cerrado, ele diz, também foi ocupada inicialmente com a pecuária e, mais recentemente, com a produção de grãos.

"Esse processo de transformação da terra é favorecido pelas políticas públicas. Nós também temos uma questão relacionada à legislação. Só um terço das áreas do cerrado devem ser conservadas pelos proprietários particulares, enquanto na Amazônia são 80%", lembra Torres.

Nestas eleições, as intenções de voto para governador no Tocantins se concentram em duas candidaturas, segundo as pesquisas.

Candidato à reeleição e líder nas pesquisas, o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) propõe promover desenvolvimento econômico através da agropecuária, respeitando o meio ambiente e as políticas de preservação.

No plano de governo, cita como principais ações a redução de queimadas e do desmatamento, a expansão do Conselho Estadual de Meio Ambiente e a atualização das normas ambientais.

Em segundo lugar nas pesquisas, o candidato Ronaldo Dimas (PL) quer tornar os processos de licenciamento ambiental menos burocráticos e modernizar a fiscalização ambiental.

Seu plano de governo fala em "apoiar técnica e financeiramente a recuperação de áreas degradadas para aumento da produtividade agrícola" e fortalecer a gestão participativa nos conselhos e órgãos colegiados.