'É fácil as pessoas falarem mal de mim do sofá', diz Luisa Mell

Por PATRÍCIA PASQUINI

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando era adolescente, Marina Zatz de Camargo vendia pão de mel no Bom Retiro, zona norte de São Paulo. Anos depois, decidiu usar o doce para criar o nome artístico pelo qual passaria a ser conhecida. Assim, ela virou Luisa Mell -o nome é uma homenagem à avó.

Advogada e atriz, hoje ela é mais conhecida por sua atuação como ativista pelos direitos dos animais, que costuma gerar elogios e críticas nas redes sociais.

"É fácil as pessoas falarem mal de mim do sofá da casa delas; agora, vem fazer o que eu faço. Eu resgato um [cachorro], mas não resgato 50. As pessoas me xingam pelos 50 que não resgatei", diz ela.

"Das pessoas que me odeiam, tem de todo tipo. Eu faço a mesma coisa toda semana. As pessoas não acompanham meu trabalho. Muitas vezes, eu imploro para elas divulgarem meus vídeos de adoção, mas me ignoram e, quando tem um caso em que há mídia e eu estou no local, falam 'ah ela só vai ali'. Não, eu vou sempre. Você que não vê o que eu faço", diz ela em entrevista na sede do instituto que leva seu nome, em Ribeirão Pires (Grande São Paulo).

A entidade cuida de 400 animais vítimas de maus-tratos, entre cães, gatos, cavalos, galos, bezerros e cabras.

O instituto sobrevive de doações, parcerias com empresas, rifas e sorteios, além da loja virtual. Todos os animais juntos consomem, em média, duas toneladas de ração por mês. No local trabalham cerca de 50 profissionais, como veterinários, adestradores, enfermeiros e pessoal de limpeza. Os voluntários ajudam nas feiras de adoção.

Entre os animais que atualmente vivem no instituto estão as três cadelas retiradas da casa de Margarida Bonetti, protagonista do podcast da Folha de S.Paulo "A Mulher da Casa Abandonada". No instituto, os animais ganharam novos nomes: Vovó Addams, Wandinha Addams e Mortícia Addams.

Os resgates aconteceram em julho. Luisa não participou do primeiro, no início daquele mês, porque estava com a família no Canadá. A terceira cadela foi retirada do local no fim do mês durante uma operação policial no imóvel.

A ativista afirma que estava presente na ação porque a polícia pediu seu apoio. "Eles tinham mandado judicial. As pessoas acham que sou muito poderosa. Na cabeça delas eu entro, pego e roubo na frente da polícia e da televisão. Não sabia que teria muita gente. Achei que a operação fosse secreta", afirma.

O também ativista Anderson França, idealizador do projeto Gatos do Parque, elogia a atuação da antiga vendedora de pão de mel. "Deveria ter mais de mil Luisas Mell. Ela coloca a cara à tapa. Um animal maltratado tem que ser salvo na hora, porque existe descaso das autoridades policiais, as leis são falhas e não há quem fiscalize", afirma.

Mas há, também, quem discorde da maneira como a ativista costuma agir. Em 2016, a professora Maria Emília Duarte Ferreira moveu um processo contra Luisa e o instituto em razão de uma invasão à sua casa, na Saúde (zona sul de São Paulo), e a retirada de quatro cães.

Naquele momento, a residência se encontrava fechada, apenas com a presença de quatro cachorros, incluindo uma cadela que tratava um câncer e estava magra.

"Ela entrou e filmou a casa da minha cliente, subiu no quarto", disse a advogada da professora, Sandra Cristina Silva Lima Albuquerque.

"Segundo informações dos vizinhos, Luisa estava acompanhada por policiais em duas viaturas. A casa foi aberta com a ajuda de um chaveiro e ela não tinha mandado. Achamos que alguém deve ter passado na rua, visto a cachorra e, por ela estar magra, deduziu que estaria sofrendo maus-tratos, mas não estava", completa.

Ainda segundo a advogada, Maria Emília precisou tomar antidepressivo devido ao caso. Ela entrou com uma ação para conseguir a busca e apreensão dos cachorros, e entrou com pedido de indenização material e moral contra a ativista e o instituto.

A Justiça determinou a devolução dos animais, além do pagamento de R$ 60 mil à professora. O processo agora aguarda o julgamento de recursos apresentados pela defesa. Dois dos animais acabaram morrendo, e os outros dois foram devolvidos.

"Luisa Mell levou a dobermann para um hospital e ela não foi alimentada, porque não comia sozinha. Morreu no segundo dia. Já se sabia que ela estava terminal, mas isso apressou a morte", afirmou Albuquerque.

A ativista defende sua atuação no caso. "Foi um dos piores cachorros que peguei. Mesmo assim, fizemos de tudo. Ela não estava nem medicada para dor. A veterinária ficou horrorizada. Essa é a verdadeira história", afirmou ela.

Recentemente, Mell também se envolveu em polêmicas com a cantora e ex-BBB Juliette Freire e o sertanejo Zé Neto.

A ativista disse ainda que é acionada pela polícia para participar dos resgates. Geralmente, leva uma veterinária para atestar a condição de maus-tratos e um adestrador, no caso de cães agressivos.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo confirmou que solicita, sempre que necessário, o apoio de ONGs para denúncias do tipo, incluindo no caso do imóvel da família Bonetti.

Para a advogada Giovana Poker, especialista em direito animal, a polícia pode pedir o apoio de ONGs e protetores num resgate de animal. E há outras situações.

"Se o animal estiver em flagrante maus-tratos, situação de vida ou morte, em sofrimento intenso, não precisa do mandado de busca. É o caso de animais com ferida aberta, que estejam sendo agredidos, e idosos que rastejam por não conseguirem se alimentar e estão abandonados. Qualquer cidadão pode ingressar na residência, apreender o animal, apresentá-lo na delegacia de polícia, registrar o boletim de ocorrência e pedir que seja lavrado o termo de apreensão e depósito em nome de quem ficará responsável por ele até o final do inquérito", explica.

Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo, Maíra Pereira Velez explica que é necessário sempre avaliar se o caso de fato pode ser entendido como maus-tratos.

"O artigo 32 fala claramente que agredir, mutilar, maltratar, abusar de um animal e exigir um trabalho além da sua força, no caso dos de tração, configura maus-tratos. Abandono também se enquadra. Qualquer outro ato contra os animais pode configurar maus-tratos desde que fique claro que houve a intenção de maltratar ou a omissão que leve a um tipo de abuso", diz ela.

Em relação à inviolabilidade de domicílio, cabe a interpretação conjunta de dois dispositivos legais: o artigo 150, parágrafo 3º do código penal e a Lei de Crimes Ambientais, que no artigo 32 capitula os maus-tratos aos animais como crime -a lei 9.605/98 foi alterada em setembro de 2020. A Lei Sansão (14.064/2020) acrescentou o parágrafo 1º-A ao art. 32 da Lei de Crimes Ambientais e prevê penas mais rígidas a quem praticar crime de maus-tratos, quando se tratar de cães e gatos, para dois a cinco anos, multa e proibição da guarda.