Ministério veta para a OMS professora da USP que apontou falha na gestão da pandemia
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ao menos três entidades ligadas à saúde pública e à ciência divulgaram nota de repúdio contra o boicote imposto pelo Ministério da Saúde à indicação da professora da USP Deisy Ventura para compor um dos mais importantes comitê técnicos da OMS (Organização Mundial da Saúde).
A Folha de S.Paulo apurou que Ventura havia recebido o convite e já sido entrevistada para integrar uma equipe que fará a revisão do regulamento sanitário internacional. O seu nome tinha sido aprovado pela Opas (Organização Pan-americana de Saúde), braço da OMS nas Américas, e só faltava um aval do Ministério da Saúde.
Nesta quarta (28), Ventura foi "desconvidada" pela OMS e soube que o seu nome havia sido vetado pelo ministério. Procurada, ela preferiu não falar sobre o assunto. A Folha de S.Paulo também procurou o Ministério da Saúde, por meio de sua assessoria, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Em notas, a Congregação da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) dizem que o governo brasileiro agiu na contramão dos interesses do país ao recusar apoio à professora.
"Ao se opor ao nome da pesquisadora, sem apresentar explicações, o Ministério da Saúde age de forma puramente ideológica, enquanto a OMS busca escolher entre as personalidades mais qualificadas por sua competência técnica", diz a nota conjunta das entidades.
"O injustificado veto à indicação da profa. Deisy Ventura envergonha o país em nível global", reforça.
Deisy Ventura é professora titular de ética da Faculdade de Saúde Pública da USP, onde coordena o programa de pós-graduação em saúde global e sustentabilidade. É também professora do programa de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP e teve forte atuação durante a pandemia de Covid-19.
Ventura foi responsável por conduzir uma série de estudos sobre a existência de uma "estratégia intencional de propagação do coronavírus" adotada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro.
Em um trabalho da USP em parceria com a Conectas Direitos Humanos, o grupo analisou 3.049 normas federais produzidas em 2020, entre portarias, medidas provisórias, resoluções, instruções normativas, leis, decisões e decretos. Também fez um levantamento das falas públicas do presidente.
Com esse mapa, o grupo concluiu que esse conjunto de ações intencionais fez com que o Brasil fosse uma dos países mais afetados pela pandemia.
O estudo foi destacado por prestigiosas publicações internacionais como o BMJ Opinion. Teve repercussão nacional, fundamentando uma representação criminal contra o presidente da República por crimes comuns, inclusive contra a saúde pública, e pedidos de impeachment por crimes de responsabilidade, como o de um grupo de professores da Faculdade de Direito da USP.