Bolsonaro avança em votos nas cidades campeãs de desmatamento na Amazônia

Por GIOVANA GIRARDI

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente Jair Bolsonaro (PL), que viu ao longo do seu mandato o desmatamento da Amazônia subir por três anos consecutivos, venceu o primeiro turno das eleições em oito das dez cidades mais desmatadas da região no ano passado.

Bolsonaro já havia liderado a votação em sete desses municípios no primeiro turno de 2018. Neste ano, ele virou o quadro em mais um e ainda ampliou sua votação em seis cidades.

Proporcionalmente, a quarta maior votação do presidente no país se deu na quinta cidade mais desmatada no ano passado, Novo Progresso (PA), onde ele obteve 79,6% dos votos. Em 2018, Bolsonaro havia recebido 72,7% dos votos na cidade.

O município no oeste do Pará, localizado à beira da BR-163, foi palco do chamado "dia do fogo", em agosto de 2019, quando fazendeiros, madeireiros e empresários locais fizeram uma ação coordenada para botar fogo em uma grande área.

Mas não é de hoje que a motosserra corre solta na região, em um processo de expansão da grilagem de terras e do agronegócio que se intensificou com a pavimentação da rodovia no início dos anos 2000 e voltou a crescer no governo Bolsonaro. O município tem experimentado também um aumento do garimpo.

Na lista das cidades com maiores taxas de desmatamento, Bolsonaro também ampliou sua votação em Altamira (PA), de 54,3% em 2018 para 57,7% em 2022; em São Félix do Xingu (PA), de 52,7% pra 63,1%; em Itaituba (PA), de 47,5% para 57,8%; em Apuí (AM), de 46,4% para 58,9%; e em Colniza (MT), de 62,1% para 71,1%.

Em Porto Velho (RO), onde também venceu, a votação do candidato do PL ficou estável, com uma leve redução (passou de 57,8% para 56,8%).

Já em Pacajá (PA), onde Haddad havia liderado no primeiro turno de 2018, com 46,3%, neste ano Bolsonaro venceu com 55,3%.

Lula venceu apenas em Lábrea (AM), com 63,8% (taxa menor do que Haddad teve em 2018, de 69,7%), e em Portel (PA), onde obteve 63,7%. Na cidade paraense Haddad também havia ficado à frente em 2018, mas com um percentual menor: 58,2%.

O cruzamento foi feito pelo Observatório do Clima com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do sistema Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O Prodes fornece o dado oficial de desmatamento anual da Amazônia.

Uma análise anterior feita em 2018 logo após a votação no primeiro turno já havia mostrado que Bolsonaro tinha liderado na maioria dos municípios que historicamente mais desmataram a Amazônia de 2000 a 2017, período para o qual há informação disponível na escala de município.

Haddad até tinha vencido mais na Amazônia Legal como um todo do que Bolsonaro (62,63% dos municípios contra 37,36%, respectivamente), mas foi justamente no arco do desmatamento que Bolsonaro se destacou, fato que se repete agora.

Não à toa, todas as dez cidades tiveram alta de desmatamento entre 2018 e 2021, último dado disponível do Prodes.

"Essa correlação entre desmatamento e voto no Bolsonaro faz todo o sentido. Quem comete crime ambiental nesse país jamais foi tão beneficiado como agora. Qualquer um que fosse um grileiro de terras ou madeireiro ilegal hoje em dia certamente votaria nele", disse à reportagem Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

O dado é corroborado por outra informação mais recente. Nos meses de agosto e setembro deste ano, já no período eleitoral, os alertas de desmatamento dispararam na Amazônia, como mostra outro sistema do Inpe, o Deter.

O monitoramento, que é menos preciso que o Prodes e serve para alertar a fiscalização, que se tornou quase inexistente nos anos Bolsonaro, mostrou que em setembro houve a maior quantidade de alertas da série histórica, iniciada em setembro de 2015.

Foram desmatados 1.455 km2 no mês passado, quase o tamanho da cidade de São Paulo, uma alta de 47,7% em relação a setembro do ano passado. O valor mais alto para o mês até então tinha sido registrado em 2019 -1.454 km2.

De janeiro a setembro os alertas já somam 8.590 km2, também o maior valor desde 2015 e 22,6% superior ao mesmo período do ano passado. Os alertas somados somente de agosto e setembro deste ano já respondem a 36% de tudo o que havia sido desmatado, de acordo com o Deter, nos 12 meses anteriores.

"É o efeito fim de feira. O pessoal, vendo que corre risco nas urnas, está descendo a motosserra", continua Astrini.

Para Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, instituto de pesquisas baseado em Belém que também monitora o desmatamento da Amazônia, se mantém também o impacto do enfraquecimento das políticas ambientais.

"O mapa dos votos mostra bem o que está acontecendo. O agro apoia maciçamente o presidente que afrouxou o controle. Havia expectativa de uma parte de que Bolsonaro continuaria --muitos não acreditam em pesquisa eleitoral. Outra parte acredita que Lula pode ganhar e quer aproveitar para desmatar antes de ele tomar posse", explica.

Astrini alerta para o que pode ocorrer até o fim do ano.

"O medo não é só o que estão derrubando na floresta, mas o que vão tentar derrubar no Congresso. Imagina o que vão ser os meses de novembro e dezembro no Congresso. Se Bolsonaro perder e deputados sem mandato renovado, dá para esperar que vão correr para colocar para votar projetos parados no Senado, como o PL da grilagem [da regularização fundiária], do licenciamento ambiental, do agrotóxico, e os que estão na Câmara, do marco temporal e da mineração em terras indígenas", complementa Astrini.

"Vai ser ainda mais perigoso, claro, se Bolsonaro continuar. Mas agora estão indo para o tudo ou nada. Vai ser o reflexo do que está ocorrendo no chão da floresta", diz.