Imigrante da Gâmbia é morto em abordagem da PM nos Jardins, em São Paulo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Ouvidoria da Polícia de São Paulo pediu à Polícia Civil e à Corregedoria da PM que apurem a conduta de policiais militares envolvidos na abordagem ao imigrante da Gâmbia Bubacarr Dukureh, 28. Ele foi baleado e morreu no último dia 15, no Jardim Paulista, zona oeste paulistana.
Os policiais disseram que ele resistiu a abordagem --o soldado responsável pelo disparo não utilizava câmera afixada na farda.
Para a esposa do imigrante, a reação dos PMs foi desproporcional.
A cozinheira Fernanda Almeida, 34, disse à Folha que Dukureh passou a dar sinais de que não estava bem psicologicamente após perder o emprego como auxiliar de cozinha, há cerca de um ano. "Na pandemia muita gente surtou, muita gente entrou em depressão, e ele foi uma dessas pessoas", afirmou ela.
A morte do gambiano foi noticiada pelo site Ponte Jornalismo.
Desde que perdeu o emprego, segundo ela, o marido passou a andar pelas ruas de São Paulo e carregava pedaços de madeira. "Ele falava que era policial, que ia receber o salário dele. Eu falava: 'Buba, aqui no Brasil, a pessoa não anda com pedaço de pau na rua, porque as pessoas falam que é maluco. Um policial pode te abordar na rua, porque eles veem uma pessoa com algo estranho na mão, ainda mais sendo negro'."
"Tentei explicar, fazer com que ele entendesse, mas ele dizia que na África era normal andar com pedaço de pau, que a família dele andava", disse Fernanda.
A abordagem policial ocorreu na altura do número 2.931 da avenida Nove Julho por volta das 20h50 do dia 15 de setembro, uma quinta-feira.
Os PMs disseram ter encontrado com Dukureh uma faca e duas estacas de madeira. A mochila dele continha duas folhas com o currículo dele, um bilhete único, dois relógios --um deles quebrado-- e R$ 4.
Na delegacia, os policiais que participaram da abordagem relataram que patrulhavam a região quando decidiram abordar o imigrante. Segundo eles, o gambiano resistiu e tentou agredir um deles. O soldado Luis Miller Mazotti dos Santos, 30, então atirou nele uma vez.
Acionado pelos policiais, o resgate do Corpo de Bombeiros levou Dukureh até a Santa Casa, mas ele não resistiu ao ferimento e morreu.
O advogado do PM, João Carlos Campanini, disse à reportagem que assumiu o caso na sexta-feira (14) e que ainda estuda os autos para poder se pronunciar.
A SSP (Secretaria de Segurança Pública) disse que o caso é investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e que já foram ouvidas testemunhas.
A PM não respondeu até a publicação desta reportagem.
A Polícia Civil não encontrou câmeras na região que tenham registrado o episódio, e o policial que atirou contra o gambiano não utilizava câmera presa à farda. Testemunhas relataram ter ouvido gritos para que Dukureh soltasse a faca que carregava.
A mulher de Dukureh disse que "precisa ver as imagens, porque ele não estava com a cabeça boa". "Se ele foi para cima, não dá o direito de eles terem feito isso. Poderiam ter imobilizado ele, atirado na perna, em outro lugar", afirmou ela.
Sobre a faca de açougueiro encontrada com o marido, Fernanda disse que havia pedido a ele que a comprasse para usá-la no trabalho.
Dukureh, ainda segundo ela, chegou ao Brasil em 2014. Três anos depois, eles se conheceram quando trabalhavam em um restaurante em Moema, na zona sul da capital. Tiveram um filho, hoje com 3 anos.
O Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante lamentou a morte do gambiano e disse que ela se soma a uma "longa lista de situações violentas, algumas delas fatais, vividas por migrantes no Brasil no passado recente".
"Estamos prestando atendimento psicológico à viúva e vamos acompanhar o caso de perto, na expectativa de que os fatos sejam elucidados, a justiça seja feita e os culpados sejam punidos", acrescentou a entidade.