Violações de direitos humanos no Egito permeiam COP27 e inibem protestos
SHARM EL-SHEIKH, EGITO (FOLHAPRESS) - Ter um meio ambiente limpo, saudável e sustentável é um direito humano reconhecido pela ONU (Organização das Nações Unidas). Faria sentido então uma conferência sobre a saúde climática do planeta em um país com um longo histórico recente de acusações de violação de direitos humanos? Pois a COP27 já está a todo vapor no Egito, no balneário de Sharm el-Sheikh.
Justiça seja feita, a tarefa de proporcionar um meio ambiente limpo e sustentável tem falhado nas nações do planeta de forma geral --os relatórios apontam constantemente para um "vício" mundial em combustíveis fósseis. Não fosse assim, não estaríamos a caminho de um aumento de 2,8°C na temperatura média global.
No Egito, porém, há diversas acusações de outros direitos humanos sendo desrespeitados. Especialistas da ONU, em 2020, alertaram que leis aprovadas desde 2013, após os militares tirarem o então presidente Mohamed Morsi do poder, possuem efeitos corrosivos na promoção e proteção dos direitos humanos. Especialistas alertam para a restrição do espaço público e a limitação de liberdades.
Uma dessas leis limita a possibilidade de protestos e de demonstrações públicas. E aqui entra uma questão importante nas COPs, especialmente nos últimos anos, quando o ativismo climático ganhou ainda mais espaço.
Na COP26, por exemplo, para não ir muito longe, milhares de pessoas tomaram as ruas de Glasgow durante protestos climáticos. A ativista Greta Thunberg virou uma personalidade mundial ao protestar, inicialmente de modo solitário, às sextas-feiras na Suécia.
"Nós sabemos que a sociedade civil tem um papel central no sucesso de qualquer COP. Eu fui em todas e eu posso falar: sem a sociedade civil não haveria Acordo de Paris, não haveria progresso", disse Jennifer Morgan, enviada especial do clima da Alemanha, em um evento sobre justiça climática e direitos humanos.
"Essas vozes são essenciais. Sem sociedade civil plural que possa agir sem medo de represálias nós não poderemos atingir nossas metas climáticas."
Pela lei egípcia, a polícia do local onde o protesto ou reunião com mais de dez pessoas será realizado precisa ser avisada por escrito com, no mínimo, três dias de antecedência, para que o aval seja dado.
As forças de segurança, se desejarem, podem cancelar ou adiar o protesto, além de mudar o local ou o caminho com base em informações sobre possíveis ameaças à paz.
Segundo o International Center for Not-for-Profit Law, manifestantes podem ser presos, e a legislação ampara ainda o emprego de força excessiva ou letal para dispersão.
Como um país sem o direito básico ao protesto poderia então lidar com um evento onde a voz da sociedade é tida como parte do jogo?
Com restrições e bastante vigilância --ainda mais do que já costuma haver em uma conferência com líderes mundiais. Além de um tanto de confusão e da quase total falta de informações concretas.
Meses antes da conferência, quando já cresciam as preocupações sobre os possíveis riscos para a sociedade civil ao se manifestar nas ruas do Egito, Sameh Shoukry, presidente da COP27, prometeu um espaço separado onde poderiam ocorrer os protestos.
Desde o início da COP27, no domingo (6), a Folha vem procurando o local específico onde, supostamente, tais manifestações estariam autorizadas. Nem funcionários nem mesmo membros do posto de informações dizem saber do que se trata.
Da parte de ativistas, resta o receio. E não é para menos. O governo egípcio monitora a imprensa. Há centenas de sites que já foram derrubados no país, vários deles de conhecidas fontes de informação.
As justificativas oficiais são de que "espalham mentiras" e "apoiam terrorismo" --acusações semelhantes servem de pretexto para prisões políticas, como a do ativista Alaa Abd el-Fattah, que há mais de 200 dias está em greve de fome e, ao início da COP, parou de beber água.
No país, também há restrições a ações de ONGs, inclusive limitações para cooperação com organizações internacionais e para recebimento de verbas. Segundo a organização Human Rights Watch, até enquetes e pesquisas de campo estão proibidas sem a autorização do governo.
Em termos de protestos, atos relativamente simples podem resultar em prisão --e o nível de preocupação aumentou ainda mais pouco antes da COP27.