Tribunal aponta risco de superfaturamento em contratos de R$ 161 mi do Butantan
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) investiga possíveis irregularidades em contratos sem licitação que somam R$ 161 milhões feitos pela Fundação Butantan com uma empresa fornecedora de um software.
Entre outras questões, a análise dos técnicos do órgão aponta riscos de superfaturamento no processo.
Os acordos foram firmados com a empresa SAP Brasil Ltda entre 2021 e 2022 para implantação e licenciamento de sistema integrado de gestão empresarial na fundação e são válidos por cinco anos. A contratação ocorreu no modelo inexigibilidade de licitação.
Procurados pela Folha de S.Paulo, Butantan e SAP negaram irregularidades e afirmaram que vão prestar todos os esclarecimentos ao órgão de controle. Afirmaram ainda que os valores estão dentro do praticado pelo mercado.
Técnicos do TCE consideraram a contratação de risco elevado por uma série de motivos: possibilidade de superfaturamento, eventuais falhas no processo de execução e a possibilidade do retorno do investimento ficar abaixo do custo contratado. O órgão, então, cobrou explicações do Butantan, que ainda não protocolou suas respostas.
A Fundação Butantan é uma entidade privada e atua em apoio ao Instituto Butantan, que é vinculado ao governo estadual.
Em um despacho, a conselheira do TCE Cristiana de Castro Moraes cobrou explicações sobre vários aspectos levantados pela equipe de fiscalização do órgão.
Os técnicos do tribunal afirmam que a lei é clara "ao afirmar que a inexigibilidade [de licitação] se aplica quando houver inviabilidade de competição, não se tratando, todavia, do caso em apreço, pois há no mercado inúmeros Sistemas de Gestão Empresarial (ERP), nacionais ou nacionalizados, que atendem a organizações de todos os ramos e portes".
O documento ainda afirma que não constam provas de que o produto adquirido não tenha similares no mercado. A existência de produto nacional similar, segundo o relatório, também contrariaria a lei.
"A falta de pesquisa de preços de mercado e a demasiada especificidade do objeto inviabilizou qualquer ponderação quanto à adequação do montante contratado", afirma o documento. Com isso, diz o tribunal, existe o risco de superfaturamento no contrato.
Os técnicos apontam que só uma ampla concorrência poderia propiciar a comparação de soluções existentes e avaliação do melhor custo benefício. No texto, eles afirmaram que a Fundação Butantan está "repisando o equivocado entendimento de que se tratava de inexigibilidade de licitação".
Álvaro Martim Guedes, especialista em administração pública da Unesp (Universidade Estadual Paulista) explicou que o recurso da inexigibilidade deverá ser utilizado quando um parecer técnico aponta que uma única empresa oferece tal produto ou serviço.
"O Butantan, por exemplo, trabalha com insumos bastante raros, caberia então a inexigibilidade nessa situação para uma vacina ou insumo, quando somente tal fornecedor tem aquele produto ou patente. Agora para um sistema de gestão, a caracterização de inexigibilidade é muito frágil", afirma o professor.
"Por mais que a SAP seja robusta e tenha renome internacional não significa que não exista outras com a mesma qualidade. O sistemas ERP (gestão empresarial) tem uma história de mais de 20 anos e ampla concorrência", completa Guedes.
Para o advogado Anderson Medeiros Bonfim, especialista em contratos e licitações, a inexigibilidade possui elevados riscos e só deve ser exercida quando a concorrência é inviável.
"Entre os riscos, o primeiro deles é a criação artificial de uma hipótese excepcional, em prejuízo da impessoalidade e da eficiência na escolha da melhor solução para o interesse público", afirma Bonfim.
"O segundo é a elevada possibilidade de superfaturamento. A justificativa de preço deve ser robusta o suficiente para comprovar que o executante privado [fornecedor] não se valeu da contratação para obter proveitos mais expressivos que aqueles por ele até então obtidos."
A análise do TCE afirma ainda que determinadas condições previstas em contrato "beneficiam mais a contratada SAP, o que pode oferecer sério risco à normalidade operacional da Fundação Butantan".
Durante a apuração, o órgão também verificou possível ligação entre pessoas da empresa e do Butantan.
A SAP foi fundada na Alemanha em 1972 e a sua unidade no Brasil está sediada em São Paulo. Em 2015, a empresa acabou na mira da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Petrobras. Na ocasião, uma executiva da companhia negou sobrepreço e pagamento de propina relativa a contratos firmados com a empresa petrolífera.
Em nota à Folha de S.Paulo, o Butantan nega que tenha ocorrido irregularidades e que prestará todos os esclarecimentos ao órgão.
"No momento há um pedido de explicações por parte do órgão de controle, que acontece todas as vezes em que há algum tipo de dúvida ou questionamento", diz a nota.
A fundação explica a escolha pelo modelo de inexigibilidade. "Assim, o parâmetro para a verificação do preço é o valor médio cobrado pela contratada no mercado. Dessa forma, existe a certeza de que não está sendo praticado, de nenhuma forma, valor abusivo", afirma o órgão.
Segundo o Butantan, o software da SAP atende a maior parte das indústrias farmacêuticas localizadas no Brasil e no exterior. "Atualmente, 18 dos 20 maiores produtores mundiais de vacinas estão executando sua produção em soluções SAP, que cobrem o processo de ponta a ponta, desde a produção, passando pela distribuição controlada, administração, até a monitorização pós-vacina", afirma a fundação
A SAP, por sua vez, ressaltou em nota a liderança no segmento farmacêutico. Segundo a empresa, o serviço contratado não pode ser comparado com o anterior e cobre "o fornecimento de softwares de gestão de compras, de recursos humanos, de mão de obra terceirizada, cadeia de suprimentos, assinatura digital, ferramentas analíticas e plataforma em nuvem".
A empresa afirma que sua precificação "visa ofertar preços compatíveis com a média dos preços praticados pela SAP no Brasil naquele momento, bem como descontos e benefícios condizentes com o volume, configuração, forma de pagamento, prazo de vigência e demais condições que integraram a proposta técnica e comercial apresentada pela SAP à Fundação Butantan".
Questionado, o Tribunal de Contas afirma que após as justificativas dadas pelo Butantan serem enviadas elas "serão analisadas pelos órgãos técnicos internos que emitirão pareceres que subsidiarão posterior despacho da Conselheira com novas determinações".