Tribunal de SP volta a julgar massacre do Carandiru e pode mandar prender PMs
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Tribunal de Justiça de São Paulo volta analisar nesta terça (22) a situação dos 74 policiais militares condenados pela participação no episódio conhecido como massacre do Carandiru, quando 111 presos foram mortos durante operação no presídio da capital em outubro de 1992.
Os desembargadores da 4ª Câmara Criminal vão decidir sobre o tamanho das penas dos policiais, se estão adequadas ou não (dosimetria), e, ainda, se haverá expedição de mandado de prisão contra os policiais neste momento ou apenas no final de todos os recursos.
Para desembargadores, procuradores e promotores ouvidos pela Folha, a prisão é tecnicamente possível porque as decisões do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do STF (Supremo Tribunal Federal), entre 2021 e este ano, colocaram fim à discussão quanto ao mérito.
Dessa forma, ainda que haja eventual mudança no tamanho das penas dos PMs, isso não muda o fato de que eles foram considerados culpados e devem sofrer medidas de privação de liberdade.
Os PMs foram condenados a penas que variam de 48 a 624 anos. As condenações se referem a 77 assassinatos com armas de fogo. A Promotoria excluiu 34 vítimas do total porque havia dúvida se elas foram alvo de PMs ou atacadas pelos próprios presos, como aquelas feridas por armas brancas.
"É a torcida de muitos [a prisão dos PMs]. Como disse, os desembargadores tudo podem na matéria. Afinal, o ministro Barroso [do STF] já declarou o trânsito em julgado da condenação pelos jurados", disse o advogado Eliezer Pereira Martins, que defende os policiais desde 2021. "Tudo pode acontecer, ressalvada a absolvição dos réus pela contrariedade da decisão com a prova dos autos", complementou ele.
Ainda segundo o advogado, o processo atingiu militares de baixa patente que apenas cumpriram ordens e que vêm sendo usados há três décadas para promoção de promotores e juízes.
De acordo com a defesa, dos 74 policiais condenados, cinco morreram durante o processo. Os 69 ainda vivos, ainda segundo o advogado, estão aposentados e com idade média superior aos 60 anos. "Boa parcela com doenças graves, típicas da idade", disse Martins.
Além da redução das penas, a defesa pede à Justiça que o cumprimento delas seja em prisão domiciliar, "para os portadores de doenças graves e que preencham os requisitos legais".
As sentenças condenatórias haviam sido anuladas em 2016 pelos desembargadores Ivan Sartori, Camilo Léllis e Edison Brandão, que mandaram realizar novos julgamentos.
"Não houve massacre. Houve obediência hierárquica. Houve legítima defesa. Houve estrito cumprimento do dever legal. Agora, não nego que, dentre eles, possa ter existido algum assassino", afirmou Sartori, durante a sessão. Hoje aposentado, ele virou político ligado à corrente bolsonarista.
No lugar de Sartori assumiu a relatoria do processo o desembargador Roberto Porto, com carreira no Ministério Público, e que tem um perfil diferente do colega aposentado. Assim, a situação dos policiais não é tão favorável como há seis anos.
Levantamento feito pela Folha aponta que, dos policiais condenados, ao menos dez deles se aposentaram como coronéis, posto mais alto da hierarquia da Polícia Militar, conforme Portal da Transparência do Governo de São Paulo e base de dados do Tribunal de Justiça Militar.
Entre eles está Salvador Modesto Madia que comandou a Rota (tropa de elite da PM) entre novembro de 2011 e setembro de 2012. Ele deixou o comando após aumento nos índices de letalidade policial. Naquela altura, o governo paulista era chefiado por Geraldo Alckmin, então no PSDB e hoje vice-presidente eleito pelo PSB na chapa de Lula (PT).
Na lista há, ainda, dois tenentes-coronéis, um major e sete tenentes. A maioria é formada por praças, em especial sargentos. "Soldados ou coronéis, certo que todos eram de baixa patente em 1992. Foram aqueles que, diante do risco de fuga em massa, enfrentaram os corredores esfumaçados, com piso inundado de sangue de detentos que já haviam sido vitimados pelos colegas de cela", disse a defesa.
O procurador Maurício Ribeiro Lopes, que fará a sustentação oral por parte do Ministério Público, disse que comentará o assunto após o julgamento desta terça.