Transição quer separar dados de desmatamento de Bolsonaro e Lula
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O grupo de trabalho ambiental da equipe de transição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) planeja mudar a divulgação de dados de desmatamento e separar os números registrados sob Jair Bolsonaro (PL) daqueles verificados sob a nova gestão petista.
Integrantes do grupo têm conversado com membros do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que cuida dos dados relacionados ao desmatamento no país e é responsável pelo Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite).
Atualmente, o Prodes consolida os dados de desmatamento a cada 12 meses contados entre agosto e julho, ou seja, abarcando cinco meses de um ano e sete de outro. Dessa forma, a primeira divulgação do governo Lula consideraria parte de dados herdados da gestão de Bolsonaro.
Por isso, a equipe ambiental estuda divulgar os cinco meses finais de 2022 separadamente e, a partir de janeiro 2023, iniciar um novo ciclo anual.
"Não me parece justo que o presidente Lula já inclua no próximo ano, em julho do ano que vem, cinco ou seis meses de desmatamento recorde do Bolsonaro", afirmou à reportagem Jorge Viana, coordenador do grupo de trabalho ambiental.
Segundo ele, não é necessário alterar a metodologia de aferição do Prodes, mas sim mudar a forma de consolidação dos dados. Há ainda a possibilidade de aumentar a periodicidade das divulgações, por exemplo com informes mensais.
"O grupo está colocando o pessoal para pensar. É uma discussão que estamos começando", disse Viana, que é ex-governador do Acre.
Segundo integrantes do grupo de trabalho ambiental, a medida é plausível e custaria R$ 4 milhões, mas ainda se estuda a melhor forma de viabilizá-la do ponto de vista científico e político.
Por um lado, seria necessário atualizar todo o banco de dados e revisar as séries históricas passadas. Também é preciso chegar a um acordo com órgãos internacionais que fazem acompanhamento do desmatamento, por exemplo, para avaliações de políticas nacionais do país.
Sob Bolsonaro, o Brasil registrou taxas recordes de desmatamento, causado pela explosão do garimpo, pelo desmonte de políticas de proteção ambiental, por queimadas e pela ação de madeireiros.
Os últimos dados do Prodes foram divulgados, com atraso, no último dia 30. Pela quarta vez consecutiva, o desmatamento na Amazônia, no acumulado de 12 meses, ultrapassou os 10 mil km².
O número é cerca de 11% inferior à taxa do período anterior e interrompe uma sequência de crescimento que vinha desde 2018.
De toda forma, os números permanecem elevados ?os mais de 11 mil km² equivalem a mais de sete cidades de São Paulo ou uma Manaus?, e são especialmente preocupantes ao se considerar os alertas de que a Amazônia não está distante de um ponto de não retorno.
Se ele for atingido, devido ao desmatamento, a floresta poderá passar por uma savanização, com a perda de sua biodiversidade e serviços ecossistêmicos.
ATUALIZAÇÃO DO FUNDO AMAZÔNIA
Paralelamente, existe um debate, ainda embrionário, sobre o Fundo Amazônia. A visão de integrantes do grupo é que o mecanismo, criado em 2008, hoje está desatualizado.
O grupo entende que a primeira missão é destravar o fundo, que acabou paralisado após Bolsonaro extinguir o os dois órgãos de governança do fundo, o Comitê Orientador (o Cofa) e o Comitê Técnico (o CTFA), o que causou a suspensão das doações por parte de Noruega e Alemanha.
Há hoje cerca de R$ 3,2 bilhões congelados do mecanismo, mas existem indícios de que isso deve ser resolvido com certa facilidade, uma vez que Noruega e Alemanha sinalizaram que vão retomar os aportes com a chegada do governo Lula.
A avaliação do grupo de trabalho ambiental é que, recriados os órgãos de governança e desbloqueado o dinheiro ?o que deve acontecer no início do mandato?, será o momento de atualizar o seu funcionamento.
Atualmente, ele tem apenas uma forma de execução: é o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) quem capta recursos e também quem decide como direcioná-los, contratando projetos na área ambiental.
"Vamos sugerir que essa seja uma das primeiras medidas de Lula, para mostrar que a agenda mudou completamente. Se o fundo foi deixado de lado [com Bolsonaro], o Lula pode fazer um movimento de trazer a comunidade internacional que quer colaborar para a gente ter um fundo operando já nos primeiros dias de governo", afirmou Jorge Vianna.
Integrantes do grupo trabalham com a perspectiva de que, por exemplo, seja possível receber doações para finalidades ou áreas específicas ?por exemplo, combate ao desmatamento ou demarcação de terras indígenas, a depender da exigência dos financiadores.
Para isso, além da recriação dos órgãos de controle, seria preciso reforçar a estrutura do BNDES.
A revisão do funcionamento do fundo pode ser importante especialmente porque, como mostrou a Folha, a equipe de Lula já negocia a entrada de novos doadores para ampliá-lo.
Pessoas que acompanham o tema dizem que há negociações em curso para que a Suíça faça um aporte. França e Reino Unido também foram consultados sobre possíveis doações.
Outro ponto será rever a situação dos projetos já aprovados, mas que foram afetados pelo congelamento do fundo. Será necessário, segundo pessoas de grupo, ver se o projeto ainda faz sentido, se o bloqueio não o inviabilizou e até se os proponentes ainda têm interesse em seguir com o trabalho.