Comportamento do cachorro 'moderno' já aparecia em lobos

Por REINALDO JOSÉ LOPES

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - Um dos maiores estudos já feitos sobre a genética dos cães revelou algumas das bases da grande diversificação de comportamento das raças que existem hoje, incluindo habilidades como pastoreio, caça ou companhia.

Segundo a pesquisa, embora a grande maioria das raças caninas atuais seja recente, remontando apenas ao século 19 ou mesmo depois, as capacidades delas já estavam presentes em linhagens bem mais antigas e, em muitos casos, dependem de variantes de DNA que existiam nos lobos (ancestrais dos cachorros domesticados) há dezenas de milhares de anos.

As conclusões acabam de ser publicadas na revista científica Cell, uma das mais importantes do mundo, por um trio de especialistas nos EUA. Emily Dutrow e Elaine Ostrander, do Instituto Nacional de Pesquisas sobre o Genoma Humano, coordenaram o trabalho, que contou também com a participação de James Serpell, da Universidade da Pensilvânia.

Para conduzir a análise, os três contaram com informações genômicas de mais de 4.000 cães, entre os quais havia tanto cachorros com pedigree quanto vira-latas, indivíduos "semiferais" (basicamente cães de origem doméstica que vivem soltos e sem dono, fenômeno comum em lugares como a Índia ou a Rússia) e também espécies de canídeos selvagens, das quais a mais importante para esse tipo de estudo é o lobo (Canis lupus).

Cerca de um terço desses dados corresponde ao DNA completo de cada cachorro, enquanto o restante abrange mapas de SNPs. A sigla designa os polimorfismos de nucleotídeo único, ou seja, trocas de uma única "letra" química de DNA.

Com base na comparação dessas massas de dados, os pesquisadores conseguiram classificar mais de 200 raças caninas em dez grandes linhagens principais, que não são totalmente isoladas (já que muitas raças foram criadas a partir do cruzamento entre membros de raças distintas já existentes), mas mesmo assim tendem a possuir características genéticas próprias.

Os dez grupos correspondem, em geral, a tipos caninos bem conhecidos do público, como os diferentes tipos de terriers, os cães pastores (incluindo os pastores-alemães) e os retrievers (como labradores e golden retrievers).

Dando um passo além, para tentar avaliar as influências genéticas por trás do comportamento de cada linhagem canina, o trio de cientistas se valeu de um banco de dados sobre quase 50 mil cachorros com pedigree espalhados pelo mundo. Nele, os donos respondem a questionários sobre como seus bichos de estimação se comportam, o que ajudou os autores da pesquisa a correlacionar os perfis genéticos de cada raça com o temperamento dos animais.

Graças ao cruzamento de informações, os cientistas conseguiram identificar diversas regiões do DNA que parecem ter características ligeiramente diferentes dependendo da linhagem canina.

"Um dos achados mais surpreendentes foi o de muitas das mudanças genômicas que definem as principais linhagens de cães também podem ser encontradas nos lobos modernos", contou Emily Dutrow em comunicado oficial. "Isso indica que os seres humanos se aproveitaram da antiga variabilidade entre os ancestrais selvagens dos cachorros para criar tipos caninos únicos, apropriados para realizar tarefas específicas."

Um caso curioso é o dos terriers -apesar de seu tamanho modesto, 72% das variantes genéticas mais típicas deles também aparecem nos lobos. Isso talvez esteja ligado ao fato de que eles foram desenvolvidos originalmente como cães de caça. No caso dos retrievers, por outro lado, a maior parte dessa variação parece ter surgido depois da domesticação.

Outro detalhe importante é que as variantes de DNA não mexem diretamente com os genes dos cães, ou seja, com as "receitas" para a produção de proteínas do organismo. Em vez disso, quase todas elas parecem estar em regiões regulatórias, que coordenam quando e como um gene é ativado ou desativado.