Casos de miopia disparam entre crianças e jovens de São Paulo na pandemia

Por STEFHANIE PIOVEZAN

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Foi necessário percorrer diferentes lojas até encontrar um par de óculos nas cores que Rafael, 9, desejava, mas quando ele colocou o acessório azul e amarelo no rosto, não tirou mais. O medo de "ficar feio" passou e ele aceitou o diagnóstico de miopia, doença que cresceu entre crianças e jovens de até 19 anos na cidade de São Paulo.

De acordo com levantamento divulgado nesta terça (13) pela Secretaria Municipal de Saúde, a rede municipal registrou 866 casos da doença nessa população em 2019, quando foram realizadas 260.587 consultas. Até setembro de 2022, já foram identificados 2.026 casos em um universo de 222.754 consultas ?alta de ao menos 134%, que deve crescer considerando o ano completo.

Para especialistas, a alta de casos de miopia ?a dificuldade de enxergar de longe, grosso modo? está relacionada ao uso de telas, intensificado durante a pandemia de Covid-19 com o ensino remoto e o isolamento. Foi assim com Rafael e com a irmã, Júlia, 6.

"Com a pandemia, eles ficavam na frente da tela o tempo inteiro, inclusive na hora de dormir, no almoço e no jantar, e resolvi levá-los ao oftalmologista para ver se estava tudo bem. Quando chegamos lá, ele estava com 1,25 grau de miopia e ela com 0,5", lembra a mãe, Fernanda Vicola Barbosa.

Na consulta, o oftalmologista afirmou que os irmãos tinham maior predisposição à doença porque Fernanda e o marido são míopes e que o tempo de tela foi um agravante.

"O nosso olho continua em formação na infância, ele não nasce pronto, e nesse desenvolvimento ele sofre influência do ambiente e das atividades que fazemos", explica Ricardo Paletta Guedes, presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia.

Nesse sentido, a redução das brincadeiras ao ar livre e as horas em frente a videogames, tablets e celulares, que exigem apenas a visão de perto, estão literalmente mudando a forma como os mais novos veem o mundo.

"Quando as crianças ficam menos horas expostas à luz do ambiente externo, as estruturas fotorreceptoras não são estimuladas e o olho cresce mais, favorecendo a miopia", comenta a médica Luisa Hopker, presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica.

O aumento da doença em crianças e adolescentes vem sendo apontado pela Organização Mundial da Saúde como um desafio e foi tema de um levantamento divulgado no ano passado pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Na ocasião, cerca de 70% dos oftalmologistas consultados pela entidade afirmaram ter identificado progressão da doença em crianças durante a pandemia.

Proprietário de uma ótica especializada no público infantil, Michel Bernard Claude Lairé também notou o aumento. "Desde o ano passado constatamos uma evolução. Atendemos crianças de cinco, seis anos já com dois ou três graus", relata.

O fenômeno preocupa porque tem aparecido cada vez mais cedo e porque, conforme o olho cresce durante a infância, o grau também aumenta. Essa progressão favorece altos graus de miopia na vida adulta e eleva o risco de doenças oculares mais sérias, como glaucoma e descolamento de retina.

"Há 30 anos era raro encontrar crianças com grau de miopia acima de seis. Hoje, atendo crianças com oito anos e 11 graus de miopia", compara Guedes.

De acordo com os médicos, os sinais da doença incluem dor de cabeça, coceira nos olhos, caretas ao tentar enxergar algo a distância e dificuldade de ler a lousa na sala de aula. Mas nem sempre há esses indícios. Rafael e Júlia, por exemplo, conseguiam ler placas na rua sem dificuldade, então não levantavam suspeitas, recorda Fernanda.

Guedes afirma que a criança tem facilidade de se adaptar e, às vezes, acha que a dificuldade que ela sente é normal, então não comenta. Além disso, há casos em que a miopia surge mais forte em um olho do que no outro e, se não há o trabalho de testar cada um separadamente, a doença passa despercebida. Daí a importância do acompanhamento com especialistas.

A recomendação, além do teste do olhinho na maternidade, é levar a criança para um exame oftalmológico completo até os dois anos de idade. Depois, aos cinco anos e, a partir dos sete anos, realizar uma consulta anual.

"Não basta ir à ótica fazer os óculos ou só procurar o médico quando estiver se sentindo muito mal. O ideal é fazer o exame preventivo uma vez por ano ou antes, se houver alguma queixa", orienta o oftalmologista.

Na rede pública, a porta de entrada para a avaliação é a Unidade Básica de Saúde, que fará o atendimento por meio do médico da equipe de Saúde da Família. De acordo com a necessidade, o paciente é direcionado para o oftalmologista e, caso sejam necessários exames complexos, é encaminhado para clínicas conveniadas.

CUIDADOS

Para minimizar as chances da doença, Hopker ressalta que as crianças precisam ter, no mínimo, cerca de 1 hora e 40 minutos de atividades ao ar livre por dia.

A médica também destaca a necessidade de seguir as orientações da Sociedade Brasileira de Pediatria em relação ao tempo máximo de tela por idade e respeitar a distância de 33 a 38 centímetros entre os equipamentos eletrônicos e o rosto.

Já em relação ao diagnóstico e ao uso dos óculos, ela ressalta que é importante integrar as crianças no processo de escolha e encorajá-las a utilizar o recurso. E lembra que há novos colírios e lentes que ajudam a reduzir a velocidade de progressão da doença e são indicados em alguns casos.

As armações também estão mais modernas, segundo Lairé, e agora há modelos infantis leves, resistentes e coloridos, como os escolhidos por Rafael.

"Hoje ele não fica sem os óculos", diz a mãe.

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RECOMENDAÇÕES SOBRE USO DE TELAS POR IDADE

- Menores de 2 anos: evitar a exposição de crianças menores às telas, mesmo que passivamente;

- Entre 2 e 5 anos: passar, no máximo, uma hora por dia em frente a telas, com supervisão dos cuidadores

- Entre 6 e 10 anos: tempo de telas deve ser limitado de uma a duas horas por dia, sempre com supervisão de pais ou responsáveis

- Para todas as idades: nada de telas durante as refeições e desconectar entre uma a duas horas antes de dormir

Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria