Brasil puxa debandada de países na COP15 em briga por financiamento

Por ANA CAROLINA AMARAL

MONTREAL, CANADÁ (FOLHAPRESS) - O Brasil tem liderado uma escalada das tensões entre o bloco desenvolvido e o dos países em desenvolvimento na COP15 da biodiversidade da ONU, que busca assinar um novo marco da biodiversidade global até o próximo dia 19, em Montreal.

Na madrugada da terça para a quarta-feira (14), uma negociação sobre a mobilização de recursos terminou com uma debandada de todos os países em desenvolvimento presentes na sala. O abandono da negociação, que havia começado às 19h, aconteceu por volta da 1h, após o Brasil ter pedido um intervalo de dois minutos para consultar os países megabiodiversos e de opiniões semelhantes.

Ao retornar do intervalo, a diplomacia brasileira declarou falar em nome de todos os países em desenvolvimento e afirmou que o bloco estava consternado com a falta de ambição e de flexibilidade dos países desenvolvidos, anunciando que os países em desenvolvimento iriam se retirar da sala para permitir uma reflexão por parte do bloco desenvolvido.

Segundo fontes que participaram da consulta informal, a ideia de deixar a sala não partiu dos negociadores brasileiros, mas o país liderou a articulação e representou o bloco ao comunicar a decisão.

A saída das delegações de países em desenvolvimento de salas de negociação ainda foi repetida na manhã desta quarta-feira. A quebra de protocolo levou a presidência da COP15, conduzida pela China, a convocar uma reunião apenas entre chefes da delegação.

Segundo chefes de delegação presentes nessa conversa, o tom foi de terapia em grupo, com uma amenização do teor das falas e a ênfase em chegar a um acordo até o final da semana. O Brasil, no entanto, teria sido o único a manter uma postura mais agressiva, voltando a cobrar os países ricos sobre suas responsabilidades com o financiamento da conservação da biodiversidade.

Durante a tarde, a diplomacia brasileira voltou a se reunir com a presidência da COP15 para discutir o episódio da debandada. O tema da mobilização de recursos volta a ser negociado na noite desta quarta --e provavelmente entrar por mais uma madrugada, até esta quinta (15).

A expectativa de diferentes blocos é a mínima possível: que os países fiquem dentro da sala. Caso contrário, a chegada a um acordo pode ser inviabilizada.

A aposta em uma postura mais extrema enviou sinais trocados a atores da COP15 que esperavam uma atuação mais dialógica do Brasil após as eleições presidenciais. De lá para cá, segundo um dos copresidentes das negociações, o país tem sido mais construtivo e passou a colaborar mais com os pares em diversos temas, o que foi interpretado como uma nova estratégia ligada à troca de governo.

Mas o aumento da cobrança por financiamento também integra as propostas do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O presidente eleito reforçou o pedido para que os países ricos cumprissem as promessas de financiamento climático em seu discurso na COP27 do clima da ONU, no último mês.

Já na COP15, o governo de transição é representado por Braulio Dias, ex-secretário-executivo da Convenção de Diversidade Biológica da ONU e atual professor da UnB (Universidade de Brasília). Ele foi nomeado durante o final de semana, quando as ex-ministras do Meio Ambiente Marina Silva e Izabella Teixeira cancelaram suas viagens a Montreal para concluir os trabalhos da transição --ambas são cotadas para liderar o Ministério do Meio Ambiente no próximo mandato.

O governo de transição prepara uma carta aos países ricos pedindo que reforcem suas ofertas de mobilização de recursos. O documento pode ser publicado ainda na noite desta quarta-feira (14).

Após ter conquistado o apoio de 63 países, no último março, para propor um novo fundo exclusivo para a conservação da biodiversidade, no último sábado (10), o Brasil falou em nome de 69 países em uma plenária da COP15, justamente em uma declaração que pedia um compromisso claro dos países desenvolvidos com o financiamento.

Embora a responsabilidade do bloco desenvolvido em financiar a conservação da biodiversidade esteja prevista pelo texto que constitui a Convenção de Diversidade Biológica da ONU (que deu início às COPs, em 1992), os países ricos relutam em assumir um compromisso com o financiamento, que exige valores da ordem de trilhões de dólares.

No final de novembro, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pediu aos países-membros do bloco que considerassem anunciar novos investimentos para a biodiversidade durante a COP15. A União Europeia anunciou em setembro que deve dobrar seus recursos para a biodiversidade, chegando em EUR 7 bilhões (cerca de R$ 39 bilhões) até 2027.

As ações previstas no novo acordo global de biodiversidade --que inclui a proteção de pelo menos 30% das áreas biodiversas do planeta-- podem custar US$ 967 bilhões (R$ 5,1 trilhões), segundo estudo da TNC (The Nature Conservancy) e do Paulson Institute.

A reportagem Ana Carolina Amaral viajou a Montreal a convite da ONG Avaaz.