Extração ilegal de manganês no sul do PA tem movimentação milionária e pouca fiscalização
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O engenheiro de minas Walter (nome fictício) foi avisado recentemente de que está jurado de morte e que não deveria retornar para a região de Marabá (PA), onde trabalha. Desde a década de 1970, a área é afetada por um conflito permanente entre garimpeiros, grileiros e milícias.
É exatamente devido a essa violência que ele pediu que seu nome verdadeiro não fosse divulgado. A ameaça aconteceu porque suas pesquisas incomodaram pessoas envolvidas em um esquemas de exploração ilegal de minério na Amazônia.
O minério da vez é o manganês, usado na siderurgia. Segundo denúncias, a cadeia de extração sem autorização pela ANM (Agência Nacional de Mineração) inclui o "esquentamento" de notas frias e a complacência das autoridades municipais, estaduais e federais na região.
Walter afirma que, antigamente, pequenos garimpeiros ilegais pegavam minério que aflorava da superfície, de tão abundante que era, mas hoje a extração só é possível com grandes equipamentos.
Para ele, a situação se agravou nos últimos anos desde que o presidente Jair Bolsonaro (PL) se mostrou contrário à destruição de maquinário apreendido em autuações de órgãos públicos.
O acesso ao manganês costuma envolver ameaça a proprietários de terra. É comum que o representante de uma empresa chegue até o dono de uma área onde já foi identificada a presença do minério, o pressione para que a venda por um preço irrisório e, ante a negativa, acabe o expulsando com apoio de milícias.
Carlos, morador da região que também pede sigilo, afirma que teve a sorte de não ter minério em suas terras, mas que já viu muitos vizinhos serem expulsos por homens armados.
A pressão das empresas irregulares na região é tão grande que nem a Vale quis mexer no vespeiro. Em abril deste ano, empresários do setor de mineração receberam um email marcado como confidencial no qual a companhia oferecia ao mercado os direitos minerários de exploração de oito grandes áreas de manganês que detém há mais de 20 anos, em um total de mais de 12 mil hectares.
A mensagem aos possíveis interessados, revelada na época pelo jornal O Estado de S. Paulo e à qual a Folha também teve acesso, dizia que a área já estava invadida por terceiros, e que não acompanharia visitas ao local, podendo fazê-lo quem quisesse "por sua conta e risco". Além disso, o comprador teria que se comprometer a assumir todo e qualquer passivo ambiental que viesse a ser registrado na área.
Procurada pela reportagem, a Vale não respondeu se houve algum interessado na oferta. A empresa disse, em nota, que "ao longo dos últimos anos, tomou conhecimento da existência de lavra ilegal praticada por terceiros na área de direitos minerários da empresa".
"Considerando que a Vale não é proprietária dos imóveis e sequer tem acesso ao local ou legitimidade para retirar eventuais invasores, a empresa promoveu denúncias junto aos órgãos competentes, municiando-os das informações de que dispunha a fim de contribuir para a apuração e fechamento das atividades clandestinas", afirma.
Logo após a denúncia do jornal O Estado de S. Paulo, foi deflagrada uma operação, em 19 de maio passado, reunindo PF (Polícia Federal), PRF (Polícia Rodoviária Federal) e a ANM. Na ação, foram apreendidos 2.400 toneladas de minério extraído de forma irregular, duas retroescavadeiras e um britador nos municípios de Marabá e Curionópolis.
A ação não impediu, porém, que as atividades ilegais continuassem na região. Em fotos obtidas pela Folha após essa operação, é possível ver os montes de minério à beira da estrada, à espera de caminhões que levam a carga para ser britada, para então seguir para o porto de Barcarena, a 480 km.
No último dia 10 de novembro, a PF fez nova operação, cumprindo dez mandados de busca e apreensão nas vilas União e Capistrano de Abreu, em Marabá. Foram inutilizados 14 pás carregadeiras, dois caminhões e vários britadores. Os nomes dos donos dos equipamentos não foram divulgados.
"São incontáveis os locais de extração ilegal de minério na região da circunscrição de Marabá, bem como os crimes relacionados a malversação de recursos públicos", disse a PF, em nota.
Segundo documentos enviados à Folha por fontes do mercado com acesso aos processos, uma das empresas suspeitas de atuar na região é a RMB (Recursos Minerais do Brasil S.A.). Nas ações judiciais, estima-se que ela teria extraído 280 mil toneladas do minério sem autorização formal, equivalentes, em preços atualizados, a R$ 140 milhões.
Em novembro de 2020, uma operação da PF e da ANM apreendeu veículos e equipamentos em uma área em que a RMB atuava sem ter os direitos minerários.
Segundo as investigações, a empresa "esquenta" o material extraído de maneira irregular como se tivesse sido retirado de outro local para o qual a companhia tem uma GU (guia de utilização), concedida pela ANM.
Na área autorizada, contudo, foi detectada pouca presença de minério, com manganês de teor abaixo dos níveis aceitos pelo mercado. Relatório da ANM descreveu ainda que nesse local "se observava a lavra completamente abandonada".
OUTRO LADO
Procurado pela reportagem, o grupo RMB refutou todas as acusações. Em nota, as empresas do grupo dizem que "operam em estrita atenção à legislação vigente", respaldadas por licenças de operação emitidas em 2017 e 2021 pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará.
O grupo empresarial afirmou ainda colaborar com as autoridades "apresentando denúncias e informações relevantes" para o combate à extração ilegal de minério de manganês e de ouro.
A nota contesta ainda a operação realizada em 2020 contra a empresa pela PF e pela ANM. A empresa diz que a ação foi dirigida "apenas às empresas do grupo RMB, apesar da enorme quantidade de pontos de extração ilegal denunciados, e que permaneceram em operação".