'Sinto falta da minha mão', diz mulher amputada após dar à luz no RJ

Por DANIELE DUTRA

RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) - A mulher que teve mão e punho amputados após dar à luz em um hospital no Rio de Janeiro, diz que a rotina tem sido muito difícil nos últimos três meses. Até agora, Gleice Kelly Gomes, 24 busca por respostas para entender o que aconteceu no Hospital da Mulher Intermédica de Jacarepaguá, na zona oeste da cidade. Nesta quarta-feira (18), ela diz que deve participar de reunião com a mediadora da empresa, que teria prometido explicações.

"Sinto falta da minha mão. Em apenas três meses, é tudo completamente diferente. Nasci de novo, zerei minha vida, estou tendo que me adaptar a fazer tudo e não há nada que vai trazer minha mão de volta", afirmou Gleice Kelly, fiscal de caixa

A vítima deu entrada no Hospital da Mulher Intermédica de Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro, no dia 9 de outubro de 2022, quando estava com 39 semanas. Assim que o bebê nasceu, no dia 10, de parto normal, a equipe médica identificou uma hemorragia grave na paciente, que precisou ser tratada.

Foi então que fizeram um acesso na veia para passar os medicamentos, mas a paciente já estava desacordada. Em menos de 12 horas, o braço de Gleice começou a apresentar complicações. Primeiro, ficou vermelho, depois começou a inchar muito rápido e em seguida, começou a ficar roxo. As dores e o incômodo eram relatados para a equipe médica, mas nada foi feito de imediato.

A mulher estava acompanhada do marido e da mãe, que ouviram que o acesso ficou muito tempo no mesmo braço e por isso estava inchando. "Só quando os dedos já estavam roxos, foi que tiraram o acesso do braço esquerdo, colocaram no pescoço e no braço direito", disse a paciente. Enquanto o braço de Gleice gerava preocupação na família, a equipe médica estava preocupada com a hemorragia que precisava ser tratada e com a transferência hospitalar que deveria ser feita, já que no Hospital da Mulher Intermédica não tinha CTI.

Quatro dias após a transferência para a unidade hospitalar de São Gonçalo, o marido de Gleice recebeu uma ligação dizendo que ela precisaria amputar a mão e o punho.

"Eles ligaram dizendo que tinham que amputar o antebraço da minha esposa, porque não tinha jeito; ela poderia perder a vida ou o braço todo. Eu fiquei chocado, ninguém sabia explicar o motivo, ninguém saber dizer o motivo de ter chegado a esse ponto", disse o profissional de construção civil Marcio de Oliveira Barbosa, 29.

"O QUE SINTO MAIS FALTA É A MINHA INDEPENDÊNCIA"

Mãe de duas crianças de 8 e 4 anos, Gleice não planejou o terceiro filho, agora com três meses. A rotina de mãe não lhe seria estranha, não fosse a nova realidade, que demanda adaptação.

Para trabalhar, ela deixava os filhos com a sogra que, por trabalhar de casa, sempre ajudou a tomar conta das crianças. Gleice dava café da manhã e banho nas crianças e seguia para o trabalho, de transporte público. As tarefas domésticas, a preparação das refeições e a troca de fraldas sempre foram feitas por ela, até então.

"Não tenho como dar banho no meu filho porque ele ainda não está com a coluna firme, só tem três meses, não fica sentado. Não tem como dar banho com uma mão e passar sabão com a outra porque não tenho mais [a mão]. É uma rotina para mim triste, sacrificante e eu nem posso demonstrar sofrimento porque meu filho de 8 anos já entende as coisas e eu não quero passar para eles que o nascimento do irmão me trouxe uma tristeza. Até porque a única coisa boa disso tudo foi o nascimento do Levi", contou Gleice.

O pós-parto do terceiro filho acabou sendo muito diferente dos outros dois, já que além da amputação, ela ficou em um hospital diferente do recém-nascido.

"Eu sempre fiz tudo, sempre amamentei. Meu segundo filho mamou por seis meses sem precisar de complemento. Agora, com o Levi, eu não pude amamentar, não pude ver. Só vi meu filho quando nasceu e fui transferida logo depois. E só vi porque eu pedi para que me levassem até ele. Depois que fui transferida, tive a mão amputada, fiquei cerca de treze dias longe do meu filho, em outro hospital. Então isso tudo para mim é muito novo", disse Gleice.

Além da maternidade, a vítima enfrenta dificuldade também com questões femininas, que antes eram resolvidas de forma muito simples, como o fato de arrumar o próprio cabelo.

"O que sinto mais falta é a minha independência. Sempre andei de coque no cabelo, agora, prender o cabelo é um sacrifício. Para fazer um rabo de cavalo, tenho que pedir ajuda. Se eu for na rua e a minha pregadeira soltar, vai ser uma dificuldade para prender o cabelo de novo. Sinto falta da minha mão. Em apenas três meses, é tudo completamente diferente. Nasci de novo, zerei minha vida, estou tendo que me adaptar a fazer tudo e não há nada que vai trazer minha mão de volta", lamenta.

A vítima precisa lidar com as suas próprias questões e a dos filhos. O mais velho, por exemplo, tem enfrentado dificuldades para lidar com sua situação e falar sobre o assunto, inclusive na escola.

"Perto desse braço que eu perdi, ele não chega muito perto, não toca. No hospital ficou retraído, na escola ficou com dificuldade, chorava, ficava distante, não conseguia ir, foi bem complicado. Na minha alta, eu fui mostrando para ele que o que aconteceu não tem nada a ver com o nascimento do irmão, estou dando todo o suporte", lembra.

Desde que voltou para casa, Gleice passou a receber uma corrente de apoio da família. O marido, a sogra, a mãe e seus irmãos se revezam para ajudar nas tarefas domésticas, no cuidado com as crianças e nas saídas quando precisam resolver alguma coisa na rua.

PRÓXIMOS PASSOS

Há cinco anos e cinco meses, Gleice trabalha em uma grande rede de supermercado como fiscal de caixa, seu primeiro emprego. De licença-maternidade, ela já pensa na volta, mas agora não sabe qual função vai exercer.

" Agora, minha rotina tem sido muito difícil. Não sei se volto a trabalhar, como vai ficar, porque uso as duas mãos para fazer a retirada do caixa, alguns procedimentos, para ter uma agilidade melhor. Não tem como contar dinheiro rápido com uma mão só. Não posso perder muito tempo em uma troca de caixa porque supermercado é sempre cheio, tem tudo isso. Não tenho mais como trabalhar na minha própria função", reflete Gleice.

"Recebi a ligação da mediadora dizendo que sente muito pelo acontecido e que só tomou conhecimento dos fatos agora, já que a diretoria fica em São Paulo e o caso tomou uma proporção muito grande. A Gleice realmente precisa de assistência, mas vamos continuar nessa luta até aparecer quem foi o responsável por isso", disse a advogada da paciente, Monalisa Gagno.

À reportagem, o hospital enviou uma nota dizendo que está prestando todo apoio e está apurando o que aconteceu com a paciente.

"O hospital declara que está totalmente solidário com a vítima, e lamenta profundamente o ocorrido. Reitera o empenho em apurar com toda seriedade, transparência e atenção os procedimentos médicos e hospitalares adotados durante seu atendimento. Para tanto, solicitou ao Comitê de Ética Médico a coordenação desses trabalhos. Independente de tal apuração, o hospital vem mantendo contato com a paciente e seus representantes para prestar todo acolhimento possível e atender suas necessidades, assim como se mantém à disposição para que todos os esclarecimentos necessários sejam realizados", diz a nota.

O caso de Glaice agora é também uma investigação policial. Em nota, a Polícia Civil disse que a 41ª DP, Tanque, fez o registro como lesão corporal culposa. "Testemunhas estão sendo ouvidas e os documentos médicos foram requisitados para ajudar a esclarecer o caso", disse a instituição.