Cientistas brasileiros identificam possível antiviral para tratamento da Covid

Por STEFHANIE PIOVEZAN

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Pesquisadores brasileiros aguardam parecer da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para iniciar os testes clínicos de um novo antiviral contra a Covid-19. Os primeiros resultados do estudo com a substância, batizada de MB-905, foram divulgados na última semana na revista científica Science Communications e mostram que a molécula é capaz de inibir a replicação do Sars-CoV-2 em células do fígado e do pulmão, além de auxiliar a frear o processo inflamatório desencadeado pelo vírus.

"Esse estudo compõe um dossiê pré-clínico submetido à Anvisa junto com outro conjunto de dados para que essa substância possa se tornar um antiviral inovador desenvolvido desde a sua concepção no Brasil, visando à maior independência nesse tipo de tecnologia, que é de alto custo para o SUS", afirma o virologista Thiago Moreno Souza, pesquisador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz e um dos autores do artigo.

O Paxlovid, antiviral para tratamento da Covid-19 fabricado pela Pfizer, é comercializado em farmácias do país por até R$ 4.856,73.

Além da Fiocruz, a pesquisa, iniciada em meados de 2020, reúne cientistas da empresa Microbiológica, do CIEnP (Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos), da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e do Inca (Instituto Nacional de Câncer).

"Estamos discutindo a autorização para início de fase clínica um com a Anvisa há aproximadamente um ano e estamos confiantes que a agência autorizará o estudo", diz João Calixto, diretor do CIEnP e também autor do artigo.

Para chegar ao novo antiviral oral, a equipe testou cerca de 250 moléculas e verificou que a cinetina, atualmente estudada no tratamento de pessoas com disautonomia familiar -doença que afeta o funcionamento do sistema nervoso autônomo- consegue atrapalhar o processo de reprodução do Sars-CoV-2.

Isso ocorre porque a estrutura da MB-905 é muito parecida com uma parte do RNA do vírus. Essa semelhança confunde a enzima que atua na criação de novas cópias do material genético e ela acaba incorporando a cinetina. A inclusão da molécula intrusa gera uma confusão na sequência do RNA e induz a vários erros nas tentativas do Sars-CoV-2 de se multiplicar, resultando na inibição da reprodução do vírus.

O efeito foi observado em células humanas hepáticas e pulmonares in vitro, em camundongos e em hamsters e foi maior nos testes em que a MB-905 foi associada a substâncias capazes de barrar a exonuclease, enzima que tenta corrigir os erros na síntese do RNA. É o caso, por exemplo, do dolutegravir, utilizado no tratamento de pessoas com HIV.

De acordo com o artigo, além de agir como antiviral, a molécula conseguiu reduzir os níveis de marcadores associados à inflamação provocada pelo coronavírus e os danos nos pulmões nos modelos animais.

Outro ponto positivo, mencionam os autores, é que a segurança da cinetina já vem sendo testada nas pesquisas sobre disautonomia familiar.

Calixto afirma que o grupo não imaginava que uma molécula em análise para tratar tal doença pudesse ser benéfica no combate à Covid-19. "Somente descobrimos esses estudos quando já tínhamos avançado muito nos estudos pré-clínicos da MB-905."

Por todos esses fatores, os pesquisadores veem a oportunidade de desenvolver rapidamente o novo antiviral e depositaram duas patentes nesse sentido.

"A maior dificuldade que estamos enfrentando é ausência no Brasil de centros de pesquisa capacitados para realizar estudos de fase um em voluntários, de acordo com os requisitos da Anvisa e das agências reguladoras internacionais", afirma Calixto.