Desmatamento por garimpo na Terra Indígena Yanomami saltou 25% em 2022, aponta Inpe

Por JÉSSICA MAES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O garimpo na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, levou ao desmatamento de 232 hectares de floresta amazônica só em 2022, apontam dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O número representa um aumento de 24,7% em relação ao índice registrado no ano anterior (186 hectares).

O levantamento foi feito com informações do Deter (Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real), compiladas a pedido da reportagem. Em todo o ano passado, o sistema só registrou desmate na terra indígena (TI) relacionado à mineração ilegal.

Em entrevista à Folha, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou que o governo federal pretende remover os garimpeiros da região.

"As ações estruturadas estão sendo planejadas e obviamente a gente não costuma avisar as datas das nossas operações. O [governo] Bolsonaro fazia muito isso. Eles publicavam no Diário Oficial. Mas nós temos um protocolo que é fazer o planejamento e fazer as ações. Para que os contraventores não venham a se precaver", disse.

A série histórica do sistema de monitoramento por satélite traz dados desde 2016.

Até 2018, o Deter não registrava desmate por garimpo na área yanomami, mas, desde 2019, esse tipo de devastação aparece todos os anos. Até 2022, o programa aponta 958 hectares de floresta amazônica perdidos para esse fim --o equivalente a seis parques Ibirapuera.

Claudio Almeida, coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia e Demais Biomas do Inpe, afirma que o sistema diferencia o tipo de desmate de acordo com o contexto.

"Se aquela mancha que você vê está na beira do rio, se existe retirada do solo, se aparecem aquelas lagoas [que se formam em pontos de garimpo], é sinal de mineração. Então, o que a gente percebeu é que, em 2022, todo o desmatamento que aconteceu na TI yanomami foi de mineração."

O Deter foi criado para possibilitar ações mais rápidas de fiscalização e combate a crimes ambientais. A precisão de detecção de derrubada do programa é, de forma geral, menor em relação à do sistema usado para o cálculo oficial de desmatamento, o Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite).

Apesar de não ser destinado à mensuração de desmate, o Deter pode ser usado para observar as tendências de crescimento, queda ou manutenção do desmatamento na Amazônia.

O geógrafo Estevão Senra, pesquisador do Instituto Socioambiental, diz acreditar que o salto na devastação na TI no ano passado pode ser atribuído a dois fatores. O primeiro é maior facilidade de expandir uma estrutura já instalada na floresta. O segundo tem a ver com 2022 ter sido um ano eleitoral.

"Por um lado, se [o ex-presidente Jair] Bolsonaro ganhasse, existia uma expectativa de regulamentação ou de continuação da vista grossa [na fiscalização]. Então, você promove uma espécie de corrida para ver quem chega primeiro e ocupa as áreas onde já tem alguma prospecção [de encontrar minério]", diz. "E, por outro lado, se ganhasse o outro candidato a presidente, que falou que ia retomar a política de proteção ambiental, é agora ou nunca. Aí, as pessoas vão para lá para retirar o que puderem, enquanto puderem."

Não são só os dados do Inpe que apontam essa tendência. De acordo com o Sistema de Monitoramento do Garimpo Ilegal na Terra Indígena Yanomami, feito pela associação indígena Hutukara, em 2022 o desmate causado pela atividade ilegal avançou 1.781 hectares.

O monitoramento é promovido desde 2018 pela organização dos yanomami, usando imagens de alta resolução da constelação de satélites Planet. Além de serem analisados por especialistas bimensalmente, o levantamento é validado em sobrevoos anuais da área.

Segundo a Hutukara, os satélites visitam a região com mais frequência, o que garante a captura de imagens sem nuvens em áreas que muitas vezes não são registradas em outros satélites. Como o mapeamento é mais fino, os números são maiores do que os de outros sistemas.

O levantamento mostra o avanço do garimpo sobre a terra yanomami. Enquanto em outubro de 2018 o total da área perdida para o garimpo era de 1.236 hectares, em dezembro de 2022 ela chegou a 5.053 hectares. De dezembro de 2021 para dezembro de 2022, a devastação cresceu 54%.

Senra diz que a presença de garimpeiros na região começa a ficar mais acentuada em 2016, quando o preço do ouro no mercado internacional faz com que o investimento nessa atividade valha mais a pena.

"Além disso, tem o fato de que nesse período já se começou a observar um processo de desmantelamento das políticas de proteção ambiental, que foi completamente aprofundado no último quadriênio."

Ao longo de seu mandato, Bolsonaro não apenas criticou e deixou de investir em atividades de fiscalização, como adotou políticas de incentivo à destruição do meio ambiente. Um exemplo é um decreto --revogado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao tomar posse-- que criava um programa para estimular a "mineração artesanal". Na prática, o ato era um impulso ao garimpo ilegal em terras indígenas e áreas de proteção ambiental.

"Os garimpeiros vão testando o poder de repressão do Estado. Se a repressão não acontece, eles investem em sofisticar aquela estrutura: comprando mais helicópteros, aumentando a frota de aviões, ampliando a quantidade de pistas de pouso e as corrutelas vão ficando mais complexas, com mais serviços", afirma Senra.

O geógrafo acrescenta que os dados coletados pela Hutukara consideram o desmatamento provocado também pela instalação das corrutelas, como são conhecidos os acampamentos de garimpeiros. Ele lembra, ainda, que os dados se referem ao garimpo executado em terra firme (conhecido como garimpo de barranco). Aquele feito em balsas, nos rios, é muito difícil de ser detectado por satélite.

O território Yanomami tem quase 10 milhões de hectares de extensão, o que pode fazer com que o tamanho da devastação causada pelo garimpo não pareça tão grave, mas essa é uma impressão enganosa.

"Mesmo sendo uma área relativamente pequena quando comparada ao tamanho da terra indígena, a mineração e o garimpo têm um impacto irreversível", diz Júlia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas no Brasil. "O impacto é muito grande. Não só na parte ambiental, mas também na social e na cultural, de ameaça aos povos indígenas."

A pesquisadora aponta, ainda, que os dados do próprio Mapbiomas corroboram a destruição associada ao garimpo. Até 2021, a plataforma indica uma área de mineração de 1.556 hectares mapeada na terra yanomami.

"Você tem três bases de dados diferentes, com métodos diferentes, que indicam esse aumento progressivo assustador, principalmente nos últimos quatro anos", afirma.

Ela destaca que o fato da Hutukara apontar números mais altos indica a importância de que exista um monitoramento local destes territórios, possibilitando que essas informações sejam usadas como instrumento de pressão do poder público.

A TI Yanomami passa por uma crise humanitária --com casos de desnutrição, malária e doenças respiratórias-- agravada pela permanência de mais de 20 mil garimpeiros invasores na área demarcada.

O aumento da malária está associado ao garimpo, principalmente porque a perturbação no ambiente favorece a proliferação de vetores.

O mercúrio usado na mineração também polui os rios e o solo, causando perda de biodiversidade e afetando diretamente o modo de vida dos indígenas.

Além disso, a presença da atividade ilegal tem um impacto social nas comunidades, com aumento da violência, do consumo de álcool e da prostituição.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.