Procuradoria entra com recurso para impedir afundamento de porta-aviões

Por JOSÉ MATHEUS SANTOS

RECIFE, PE (FOLHAPRESS) - O Ministério Público Federal recorreu ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, nesta quinta-feira (2), contra decisão da primeira instância da Justiça Federal em Pernambuco que negou pedido de liminar para impedir que o casco do porta-aviões São Paulo seja afundado em águas brasileiras.

A Marinha decidiu descartar o casco na costa brasileira, conforme mostrou a Folha de S.Paulo nesta quarta (1º), mesmo após um grupo saudita oferecer R$ 30 milhões pelo equipamento.

No recurso, a Procuradoria pede ao TRF-5 que, além de mudar a decisão da Justiça, determine à Marinha a imediata suspensão de qualquer serviço voltado ao afundamento da embarcação, em alto-mar ou próximo ao litoral, sem a apresentação de estudos que comprovem a ausência de risco ambiental.

O MPF também quer que a Justiça determine aplicação de multa em caso de descumprimento.

O órgão argumenta que "nota técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aponta para o risco de danos ambientais graves no caso de eventual afundamento, especialmente levando em consideração que o casco se encontra avariado, conforme inspeções realizadas por orientação da Marinha".

A sucata da embarcação atualmente conta com 9 toneladas de amianto, substância com potencial tóxico e cancerígeno, além de 644 toneladas de tintas e outros materiais perigosos, de acordo com o MPF. O uso do amianto é proibido no Brasil desde 2017, após decisão do Supremo Tribunal Federal.

O porta-aviões São Paulo tem 266 metros de comprimento. Seu armamento era composto de três lançadores duplos de mísseis e metralhadoras de grosso calibre. O amianto era usado como isolante térmico e acústico, para reduzir o barulho da decolagem das aeronaves para a tripulação.

Ao confirmar a decisão de afundar, o Ministério da Defesa disse que, diante da "deterioração das condições de flutuabilidade" e da "inevitabilidade de afundamento espontâneo", não seria possível adotar outra conduta "que não o alijamento do casco".

No recurso, a Procuradoria alega que "a decisão judicial proferida em primeiro grau não apresenta evidências técnico-científicas de que o afundamento de outros navios construídos até 2011 (caso do porta-aviões São Paulo), igualmente com grande quantidade de amianto, não tenha comprometido o meio ambiente". O MPF argumenta ainda que "o desconhecimento da extensão do dano ao patrimônio ambiental é circunstância que impõe a adoção da medida de cautela, e não o contrário".

A ação foi motivada pela notícia de que o afundamento da embarcação estava programado para quarta-feira (1º), o que terminou não ocorrendo até o momento. O objetivo do MPF, conforme consta no processo, é evitar que o afundamento cause "dano irreparável ao meio ambiente marinho, à saúde pública da população e consequências sanitárias irreversíveis".

Na ação, o MPF requer ainda que o Ministério da Defesa promova estudos técnicos para a adequada destinação do casco, mediante descarte, sem riscos ao meio ambiente e à saúde pública, ou pela venda do ex-navio a alguma empresa com condições para fazer os reparos necessários ao descarte seguro.

A proposta do grupo saudita pelo caso foi feita na última segunda-feira (30), após a Folha de S.Paulo revelar que a Marinha planejava afundar a embarcação diante do avançado grau de degradação do antigo aeródromo.

Os sauditas haviam oferecido um valor três vezes maior que o feito pelo estaleiro turco Sök Denizcilik and Ticaret Limited. A companhia chegou a assinar o contrato de aquisição com a Marinha, mas decidiu devolver o porta-aviões após a Turquia vetar a entrada da embarcação em seu território.

Nesta quarta-feira (1º), o Ministério da Defesa, a Marinha e a AGU (Advocacia-Geral da União) emitiram uma nota conjunta para informar que o trem de reboque do casco "foi direcionado para área marítima mais afastada, dentro das Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB), a 350 km da costa brasileira e com profundidade aproximada de 5 mil metros".

Inutilizado há décadas, o navio passou por um desmanche na França. Na década de 1990, ele chegou a passar por um processo que retirou 55 toneladas do produto tóxico.

O porta-aviões foi vendido pela Marinha ao estaleiro turco especializado em desmanche de navios. O veículo deixou o Brasil no dia 4 de agosto, em viagem que gerou protestos pelo mundo e foi monitorada em tempo real pelo Greenpeace.

A Marinha diz que, após a decisão de desmobilizar o porta-aviões, optou pela venda do casco para "desmanche verde", um processo de reciclagem segura para o qual o estaleiro turco Sök é credenciado e certificado.

Mas, diante de denúncias sobre a exportação ilegal de amianto, o governo turco revogou autorização para entrada da embarcação no dia 26 de agosto, quando o navio se aproximava do Estreito de Gilbraltar, em viagem feita com o auxílio de um rebocador.

Análises feitas pela ONG Shipbreaking em um porta-aviões gêmeo ao São Paulo identificou 760 toneladas de amianto na embarcação. Diante disso, a organização passou a questionar se, de fato, o casco enviado pelo Brasil teria as 10 toneladas da substância tóxica como previsto no inventário.

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) suspendeu a licença de exportação e determinou o retorno do navio ao Brasil.