Homologação de terras indígenas na mata atlântica contribui para preservação, diz estudo

Por JÉSSICA MAES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os olhos de quem não está acostumado lacrimejam com a fumaça do petyngua, o cachimbo que os guaranis usam para acender o fumo de rolo. Sentado ao lado da fogueira, Jurandir Jukupe, liderança do povo guarani, conta que a região que hoje é ocupada pela Terra Indígena Jaraguá, na zona norte de São Paulo, já foi tomada por cafezais.

A área de mata atlântica ainda tem vestígios dessa época, mesmo décadas depois do reflorestamento que trouxe de volta as plantas nativas do bioma.

"O meu avô participou do reflorestamento e de algumas solturas de animais. Inclusive, ele tem uma história de que soltaram um casal de onças aqui", relembra.

À luz do dia, não se vê sinal dos felinos por ali e os únicos animais silvestres que aparecem são os macacos-prego.

Os pés de café nascem com facilidade no solo fértil e, se chegam à fase adulta, com galhos grossos e longos, precisam ser arrancados um a um, o que não é fácil. Mas essa é uma das tarefas que os indígenas executam em mutirões, na tentativa de restaurar a paisagem e de abrir espaço para as espécies que cobriram toda essa região antes da chegada dos colonizadores. No lugar, plantam árvores típicas, como o ipê e o pau-brasil.

No papel, essa é a menor terra indígena do Brasil, com 1,7 hectare. Na prática, esse é o espaço ocupado por apenas 1 das 6 aldeias da região, a Tekoa Ytu.

Os cerca de 700 de guaranis que vivem ali lutam pela expansão do território para 532 hectares, para que seu modo de vida seja assegurado. A área já foi declarada como de domínio dos indígenas, mas, depois de uma série de disputas judiciais, ainda aguarda a homologação da Presidência da República.

A conclusão de todas as etapas do processo de demarcação é um fator importante para que atividades de conservação prosperem, diz um artigo publicado no último dia 26 na revista científica PNAS Nexus.

"Nós analisamos 129 terras indígenas em toda a mata atlântica -basicamente todas as que existem no bioma. Esta foi uma das terras analisadas e ela contribuiu para a tendência que nós descobrimos", afirma Rayna Banzeev, pesquisadora da Universidade de Colorado Boulder, que liderou o estudo.

A pesquisa analisou a cobertura florestal desses territórios entre 1985 e 2016. Os resultados apontam que, a partir da homologação, o desmatamento nas áreas analisadas caiu progressivamente. Também foi observado o aumento nas taxas de reflorestamento.

A cobertura na mata atlântica aumentou 0,77% ao ano nas terras indígenas homologadas em comparação com aquelas que ainda não tinham o processo de demarcação completo.

Banzeev explica que a razão para que isso aconteça não foi o foco do estudo, porém diz acreditar que essa melhora tenha a ver com o fato de que a homologação inclui a retirada de pessoas não indígenas das terras.

"Nós também analisamos o antes e depois da [fase de] declaração e não achamos resultados significativos, mas encontramos para a demarcação completa. Então, pode ser que o motivo seja que na fase da declaração pessoas não indígenas ainda estão lá."

O pesquisador Marcelo Rauber, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, é coautor do artigo e estuda o direito territorial indígena no Brasil. Ele afirma que a presença de não indígenas nos territórios envolve o uso predatório da terra, voltado à exploração econômica.

"É na mata atlântica que se localizam os principais conflitos em relação às demarcações de terras indígenas", destaca. "Tem muitos povos na região sul, na Bahia, que estão buscando reaver antigos territórios originais, que muitas vezes já chegaram a ser reconhecidos como terra indígena em determinados momentos da história do Brasil."

Segundo ele, isso acaba levando a conflitos entre os indígenas e posseiros ou ocupantes dessas áreas. No caso do Jaraguá, é a especulação imobiliária que avança sobre a região. Em 2020, os guaranis chegaram a ocupar o terreno vizinho à terra indígena, onde estava sendo construído um condomínio -depois do protesto, a obra foi embargada pela Prefeitura de São Paulo.

A mata atlântica se estende por 17 estados brasileiros. Contudo, séculos de desmatamento para dar lugar a plantações, mineração, pastos e grandes cidades a reduziram a 12,5% da cobertura original, de acordo com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Para Banzeev, os esforços dos guaranis são bons exemplos de como ações de preservação acontecem nos outros territórios indígenas do bioma.

Além da retirada do café invasor, eles estão adotando práticas de agrofloresta, semeando aqui e ali plantas nativas. Entre elas estão jabuticaba, pitanga, erva-mate e palmito-juçara -primo da palmeira amazônica e que também dá frutos usados para fazer açaí.

Outra iniciativa começou em 2016, quando passaram a criar abelhas naturais da mata atlântica, que ajudam na polinização da floresta. Hoje, já são oito espécies espalhadas por mais de 300 enxames.

No entanto, esse tipo de trabalho tem um custo, e até mesmo para ter a sua segurança alimentar assegurada a comunidade conta com o envio de cestas básicas pela prefeitura. Assim, precisam buscar parcerias com instituições que deem apoio financeiro ou logístico para as atividades de preservação.

Jukupe afirma que muitos projetos que poderiam colaborar com as ações de reflorestamento são inviabilizados pela falta da demarcação, que garante a segurança jurídica. "Porque na burocracia do juruá, do homem branco, aquela terra não vale, porque não é do indígena, não está demarcada, está ilegal", diz.

A Constituição reconhece os direitos dos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas por eles, incluindo aquelas "imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições".

"Quando você demarca a área, você possibilita não só a sobrevivência física do povo, mas também cultural", aponta o líder guarani. "Ela é necessária por isso: demarcando a terra, você está garantindo a perpetuação dessa cultura."

Ele está otimista com o início do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), especialmente pela celeridade demonstrada em relação à crise humanitária entre os yanomamis e pela criação do Ministério dos Povos Indígenas. "A gente espera ser melhor atendido nas nossas demandas principais, tanto em relação à segurança alimentar quanto à demarcação de terras."