Vizinhos de blocos de Carnaval estocam comida e instalam grades nos prédios

Por ISABELLA MENON

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Estocar comida, instalar grades e tapumes para proteger fachadas de prédios ou fugir de São Paulo. Essas são algumas das manobras adotadas durante o Carnaval por aqueles que vivem próximo ao trajeto dos blocos de rua da capital paulista.

Enquanto os desfiles são aguardados ansiosamente por foliões, o cenário é o oposto para quem vive ou trabalha em áreas de festa. Para eles, a folia é motivo de prejuízo e dor de cabeça.

A reclamação é tamanha que, às vésperas do início dos cortejos, o Ministério Público foi procurado por associações de moradores e comerciantes de Pinheiros (zona oeste) e instaurou um inquérito na última terça (7) para apurar o impacto do Carnaval de rua no trânsito do bairro.

Eliana Oliveira integra a Amor Pinheiros, um dos grupos que acionou a Promotoria. Ela afirma que, durante os desfiles, os moradores ficam impossibilitados de sair de suas casas e sofrem com o barulho. E diz que os cortejos também prejudicam quem trabalha na região, que enfrenta dificuldades de deslocamento.

"Os blocos são ouvidos, mas o cidadão, não", critica Oliveira. Ela afirma que nem ela, nem a associação da qual faz parte têm dúvidas sobre a importância do Carnaval para a cidade e o turismo local. "Porém, onde os blocos passam fica um rastro de destruição. São dois anos sem Carnaval, as pessoas vão sair enlouquecidas."

Oliveira conta que costuma estocar comida para não ter que ir ao supermercado durante os dias de blocos. Segundo ela, a grande aglomeração de pessoas na rua impossibilita qualquer atividade na região.

Presidente da associação Amor Pinheiros, o arquiteto George Hochheimer afirma que a organização do Carnaval deste ano foi feita às pressas e que a falta de diálogo com a sociedade gera apreensão. E diz que, mesmo para aqueles que gostam da música e curtem os blocos, o som que entra nos apartamentos é insuportável. "Fica uma cacofonia caótica."

Assim que passar o Carnaval deste ano, a ideia da associação é já iniciar um diálogo com a prefeitura para o planejamento da festa de 2024, diz Hoccheimer.

Conselheira do edifício Santa Rita, localizado no centro de São Paulo, Rita Palma diz que o Carnaval traz problemas constantes aos moradores. E conta que o prédio em que ela vive e outros nove da região se reuniram para alugar grades e reforçar a segurança privada, a fim de evitar que as fachadas sejam depredadas por foliões.

"Isso nos custa um bom dinheiro, e a segurança, que deveria ser oferecida pelo poder público, não acontece", diz. E calcula que o conjunto de dez prédios já gastou mais de R$ 100 mil com a iniciativa.

Palma afirma, ainda, que a maior preocupação durante o Carnaval é a dificuldade da chegada de atendimento médico, caso ocorra uma emergência. "Não existe nenhuma possibilidade de acesso aos prédios. Temos nos prédios muitos idosos, crianças pequenas, crianças autistas, e nada disso é respeitado."

Ela diz também que, durante os cortejos, sair com o carro é correr o risco de não conseguir voltar, devido ao fechamento das vias, e sair a pé "é uma roleta russa com chance alta de ser assaltada". O jeito, afirma, é fazer uma boa compra de supermercado.

O advogado Cândido Prunes, que mora na região da praça da República, concorda com Rita. Ele afirma que os moradores da região ficam ilhados e sem acesso a socorro médico caso necessitem. Depois de ter passado por muito incômodo no Carnaval de 2020, ele planeja sair de São Paulo neste ano.

"Sou obrigado a sair da minha casa porque o poder público tolera que um bando de pessoas bêbadas possam promover uma desordem na minha casa. Ficamos ilhados e precisamos sair pisando em fezes, urina e vômito de foliões", lamenta.

À frente do Coletivo Pinheiros, Vanessa Rochha Rego calcula que os estabelecimentos da região tenham uma queda de 70% no faturamento por dia durante o Carnaval. Ao todo, são oito dias de cortejos.

"Além do prejuízo de fechar, os comércios têm despesas extras, como [instalação de] grades e tapumes e segurança privada. Tem quem opte por abrir, mas com alguma proteção, e [há casos em que] o funcionário não consegue chegar."

Vanessa diz que, no mundo ideal, a região de Pinheiros e Vila Madalena não seria palco de blocos de rua para, assim, conseguir receber os turistas que vêm para a cidade durante o feriado. Mas diz que sabe que isso é impossível e avalia que uma alternativa seria que o bairro não tivesse blocos todos os dias do calendário oficial. "Não queremos radicalizar", diz.

Dona de um brechó na rua Fradique Coutinho há oito anos, Erika Nigro conta que passou a instalar um tapume na porta de vidro do comércio, quebrado durante um Carnaval de cinco anos atrás. Nos finais de semana de bloquinhos, ela coloca o tapume, que retira nos dias úteis. A peça de proteção, porém, não é fácil de manusear.

"Tenho que ter ajuda para tirar", diz. Ela afirma, ainda, que o tapume a prejudica, já que muitas vezes a clientela acha que o brechó está fechado.

LIBERAÇÃO DAS VIAS SERÁ 'IMEDIATA'

Acionado pelas associações de moradores, o Ministério Público recomendou que a prefeitura adote medidas para evitar a prática de atos irregulares durante os festejos, "garantindo segurança para que atividades lícitas possam acontecer".

A reportagem indagou quais seriam essas medidas, mas a Promotoria informou que ainda aguarda as respostas do município, que tem até o dia 17 de fevereiro, início oficial do Carnaval, para responder.

Procurada, a Prefeitura de São Paulo afirmou que foi notificada sobre o inquérito e que irá prestar os devidos esclarecimentos dentro do prazo. A gestão afirma que a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) estará presente em todos os cortejos e que a liberação das vias acontecerá "imediatamente após a passagem dos blocos".

A gestão informou ainda que, em caso de necessidade, moradores e comerciantes que estejam no percurso dos blocos podem acionar os profissionais da CET, que adotarão medidas para a liberação dos acessos.

Por fim, afirma que, desde o início deste ano, a subprefeitura de Pinheiros realiza reuniões e encontros com lideranças, associações de moradores, comerciantes e Consegs (conselhos comunitários) para dialogar sobre o Carnaval de rua. Segundo a prefeitura, nessas reuniões estiveram presentes o Coletivo Pinheiros, Consegs Itaim Bibi e Pinheiros, Associação de Moradores de Pinheiros e associação de bares e restaurantes da Vila Madalena, entre outros.