Amazônia registra explosão no número de armas de CACs
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O número de armas de fogo nas mãos de civis na Amazônia Legal explodiu durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Entre 2018 e 2022, o índice registrado em 7 dos 9 estados da região subiu 743,7%: foi de 6.693 para 56.473 armas. Só entre 2021 e 2022, o arsenal dos CACs (caçadores, atiradores desportivos e colecionadores) na região quase dobrou, aumentando 96%.
Os dados são do Exército e foram obtidos pelo Instituto Sou da Paz por meio da Lei de Acesso à Informação.
As informações foram apresentadas separadas em regiões militares. Por isso, esse total considera apenas o acervo dos CACs de Pará, Amapá e Maranhão, que compõem a 8ª região militar, e Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia, que formam a 12ª.
Mato Grosso e Tocantins também fazem parte da Amazônia Legal, mas os dados desses estados são alocados em outras regiões militares (9ª e 11ª) e, como estão misturados ao de outros lugares, não é possível extraí-los individualmente do levantamento.
Em todo o Brasil, a taxa de crescimento nos últimos quatro anos também é alarmante, mas fica bem abaixo da registrada na região amazônica: foi de quase 351 mil para 1,2 milhão, alta de 259%. Considerando todo o arsenal nas mãos de civis (incluindo, por exemplo, cidadãos comuns que têm registro para defesa pessoal e servidores civis que têm armas de uso pessoal), o número chega a quase 3 milhões de armas no país.
Também é possível extrair dos dados levantados os índices de outras regiões brasileiras. No Nordeste, o arsenal dos CACs cresceu 425% entre 2018 e 2022, enquanto no Sul a alta foi de 276% e, no Sudeste (exceto o triângulo mineiro), foi de 166%.
Especialistas apontam que muitos estudos indicam que mais armas em circulação causam aumento da violência.
"O Brasil é um país conflituoso. Só que, quando eu coloco uma arma de fogo dentro desse contexto, eu aumento a letalidade da violência", afirma Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé. "A presença da arma de fogo nesses contextos onde o conflito é muito exacerbado, como em questões de disputas por terra, sem dúvida aumenta a letalidade do confronto".
Aiala Colares Couto, professor e pesquisador da Universidade do Estado do Pará e membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), explica que, recentemente, foram abertos muitos clubes de tiro em regiões de garimpo e de extração de madeira.
"O crescimento do número de armas coincide com o aumento da violência na região amazônica", afirma. "Essa violência é consequência não só disso, mas também da presença de uma série de crimes que vêm se conectando, entre eles a relação do tráfico de drogas com crimes ambientais."
Dados do FBSP mostram que, enquanto no Brasil os homicídios por arma de fogo caíram 15% entre 2012 e 2020, passando de 40.071 para 33.993, na Amazônia Legal estes crimes aumentaram 4% no mesmo período, indo de 5.537 para 5.780.
Em 2021, a taxa de mortes violentas intencionais nos municípios da região amazônica chegou a 30,9 a cada 100 mil habitantes -38,6% superior à média nacional, que foi de 22,3 por 100 mil.
O crescimento no acervo dos CACs reflete a facilitação no acesso a armas promovido por Bolsonaro, que flexibilizou regras por meio de decretos. Ao longo do último governo, o número de pessoas com licenças para armas de fogo disparou, com aumento de 473% em quatro anos.
O gerente do Instituto Sou da Paz Bruno Langeani explica que não é apenas o maior número de registros que preocupa, mas também a mudança no tipo das armas liberadas: em maior quantidade e de alto calibre.
Com as alterações implementadas no último governo, atiradores esportivos passaram a ser autorizados a ter até 60 armas, sendo 30 de uso restrito, como fuzis semiautomáticos, enquanto para caçadores esportivos o limite passou a ser de até 30 armas, sendo 15 de uso restrito.
"Isso potencializa a violência comum e do crime organizado, porque coloca nas mãos dos civis armas mais potentes do que as da polícia", diz o especialista, acrescentando que os privilégios oferecidos à categoria dos CACs pelo governo Bolsonaro estão alinhados à demanda do crime que atua na floresta amazônica.
"Muitas dessas atividades --como garimpo, grilagem e extração ilegal de madeira-- demandam um domínio territorial armado, especialmente com maior poder de fogo. E, como essas atividades acontecem em região de mata, ter uma arma de maior poder de fogo faz muita diferença", afirma.
Neste contexto, as armas são usadas tanto na promoção de atividades ilegais, ameaçando e expulsando tanto ribeirinhos, indígenas e ativistas, como na vitimização dos agentes públicos.
"Com esse aumento tão expressivo, não surpreende que tenhamos tido tantos casos de ameaça ou execução na região, como foram os do Bruno Pereira e do Dom Philips, em 2022, e do [indigenista] Maxciel dos Santos, em 2019."
Risso ressalta que estudos também apontam um crescimento das armas de fogo encontradas em operações de crimes ambientais. "O perfil das armas legais interfere e influencia o acesso às armas que a criminalidade tem", acrescenta.
Uma nota técnica lançada pelo Sou da Paz no ano passado explicita essa mudança de perfil ao analisar as armas apreendidas nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro entre 2017 e 2022.
"Se antes eram apreendidas armas mais velhas e menos potentes, como garruchas e revólveres, agora estão sendo substituídas por armas liberadas recentemente, como pistolas 9 mm e .40, que antes eram só acessadas pela polícia e com o Bolsonaro puderam ser compradas por qualquer cidadão", exemplifica Langeani.
Ao assumir a Presidência, em janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) determinou que todas as armas no país sejam registradas no sistema da Polícia Federal, conhecido como Sinarm (Sistema Nacional de Armas).
Além disso, o texto também implementou outras mudanças. Entre elas, suspendeu, em um primeiro momento, a aquisição de arma de fogo de uso restrito para CACs e estabeleceu um quantitativo menor de armas de uso permitido que podem ser adquiridas.