"Saía do Carnaval quase deprimido porque sempre me apaixonava por alguém", diz Gil sobre saudade da folia
SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - O trio elétrico de Ivete Sangalo ainda estava estacionado em frente ao Farol da Barra quando Gilberto Gil, 80, reencontrou o Carnaval de Salvador depois de três anos. Chegou calado, retirou a máscara de proteção contra a Covid-19 e se emprenhou pelos corredores labirínticos do Camarote Expresso 2222 no edifício Oceania, um dos mais icônicos de Salvador.
A empresária Flora Gil e o marido, o cantor Gilberto Gil, posam para foto durante apresentação do camarote Expresso 2222, no Carnaval de Salvador "Um mestre", "uma lenda", "um Orixá", derramavam-se os convidados ao se depararem com o anfitrião do camarote. Do lado de fora, caixas de som dos ambulantes tocavam hits de arrocha em sequência, enquanto os foliões às pencas começavam a ocupar a avenida, ávidos pelos primeiros acordes do trio.
Deu saudade da festa, Gil? Ele responde com sinceridade: "Não. A saudade é dos outros, tenho saudade pelos outros. Eu mesmo não porque nunca fui folião. Lembro que, na adolescência, eu saía do Carnaval quase deprimido porque sempre me apaixonava por alguém", disse ao repórter João Pedro Pitombo.
Gil disse que preferia não falar sobre política em meio ao Carnaval. Mas aquiesceu quando surgiu na conversa o nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e afirmou que os tempos instáveis devem permanecer no novo governo: "Turbulência é o tempo todo e no mundo inteiro. Não há vida sem turbulência. Aqui [Brasil] não é exceção, mesmo com o governo Lula".
O cantor baiano disse que cada governo tem seu traço e o de Jair Bolsonaro (PL) foi encarnar um fenômeno mundial de reação à institucionalidade, ao sindicalismo e à política com visão social. Afirmou ainda que "a socialdemocracia brasileira foi relativamente restaurada politicamente" nas urnas com a vitória de Lula: "Agora, vamos ver na sociedade, é sempre mais difícil".
Antes do início dos desfiles do Carnaval, Gil participou do lançamento do livro Expresso 2222, de Ana Oliveira, que celebra os 50 anos do disco lançado em 1972, o primeiro após a sua volta do exílio em Londres. Depois, ganhou de presente um livro sobre o Esporte Clube Bahia e se divertiu ao citar de memória a escalação do time que foi campeão brasileiro em 1959.
Na avenida, Ivete Sangalo fez a abertura do Carnaval com um desfile sem cordas, aberto ao público, emendando sucessos em sequência. Mas os foliões, que matavam a saudade do Carnaval depois de três anos, foram surpreendidos com um estranho no ninho. O ator José Loreto cantou em cima do trio elétrico: era uma encenação para a novela "Vai na Fé", da Rede Globo.
Além de Ivete Sangalo, desfilaram no circuito Barra-Ondina artistas como Saulo Fernandes, Carlinhos Brown, Iza, Ludmilla e Claudia Leitte. Foram ao todo 31 desfiles de trios elétricos, sendo 29 deles abertos ao público. As exceções foram a banda Eva e Bell Marques, que desfilaram em blocos fechados com cordas.
Com uma agenda de sete desfiles e três shows em camarotes até a Quarta-feira de Cinzas, Bell Marques disse à coluna que ainda vê fôlego no modelo de blocos com cordas. Mas ponderou que o Carnaval tem vida própria e que a palavra final é folião: "Dá para guiar a festa, organizar, mas não tem como mandar nela".
Com 70 anos de vida e 44 de Carnaval, Bell ainda disse que encarar um trio elétrico não é para qualquer um: "Não é que o Carnaval não aceite o pop, o sertanejo ou outros gêneros, mas o percurso naturalmente pede por uma forma de levar o trio que se adapta muito fácil ao que se chama genericamente de Axé Music, que é a essência do Carnaval baiano".
Um trio elétrico que pode voltar a Salvador no próximo ano é o Expresso 2222, que foi liderado por Gilberto Gil por vários Carnavais nos anos 2000. Desta vez, quem comandaria o percurso seriam os filhos e netos do cantor baiano: Preta, Nara, Flor e a banda Os Gilsons. "Seria lindo. O Gil poderia participar como convidado especial em uma ou duas músicas", disse Flora Gil.
A empresária, que comanda o camarote Expresso 2222, é uma das principais defensoras da permanência do Carnaval no circuito Barra-Ondina. No ano passado, a prefeitura ensaiou uma mudança da festa para o bairro da Boca do Rio, mas recuou diante das críticas: "Pode ser um terceiro circuito de Carnaval, mas sem acabar aqui. A Bahia tem espaço para isso".
Este ano, o camarote Expresso 2222 também abrigou a entrega das chaves da cidade do Rei Momo. O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, foi prestigiar a cerimônia: "É o reencontro com a alegria e o sonho. São dois anos de pandemia e quatro anos de pandemônio", disse, em referência ao governo Bolsonaro.
A entrega das chaves reuniu o prefeito de Salvador, Bruno Reis (União Brasil), e o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT). Adversários, os dois depois se cumprimentaram, mas mantiveram distância regulamentar entre si durante os desfiles dos trios elétricos.
O prefeito disse que mantém uma relação cordial com o novo governo. Mas, ao ser questionado sobre a indicação de Aline Peixoto, esposa do ministro da Casa Civil, Rui Costa, para a vaga de conselheira no Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, provocou: "Pergunta para Jaques Wagner o que ele acha".
Na manhã de quinta-feira (16), o senador baiano e líder do governo Lula no Senado disse pela primeira vez publicamente que não concorda com a indicação da ex-primeira-dama da Bahia para o cargo. A declaração aprofundou a crise entre os dois principais caciques do PT baiano.
Mais tarde, após ver o desfile de Daniela Mercury no circuito do Campo Grande, Jerônimo Rodrigues se esquivou da polêmica: "Eu, na condição de governador, não posso tomar partido porque essa é uma vaga da Assembleia Legislativa. [Jaques] Wagner é senador e tem liberdade para se posicionar".
Jerônimo vai receber nos próximos dias o presidente Lula, que escolheu a praia de Inema, na Base Naval de Aratu, em Salvador, para descansar no Carnaval. Aliados do governador afirmam ser improvável uma vinda do presidente ao circuito da festa. Mas dizem que uma presença é quase certa: a da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja.