Secas rigorosas deram fim ao Império Hitita na Idade do Bronze
SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) - Uma sucessão de secas devastadoras pode estar por trás do colapso de uma das superpotências da Idade do Bronze, o Império Hitita, que dominava boa parte das atuais Turquia e Síria há mais de 3.000 anos.
A conclusão vem de um estudo que usou a madeira de árvores antigas como uma espécie de calendário climático daquela época, registrando as flutuações das chuvas praticamente ano a ano.
Os novos dados sobre a derrocada dos hititas são importantes para entender não apenas o fim dessa civilização como também o colapso mais amplo de vários Estados poderosos que existiam no Mediterrâneo no fim da Idade do Bronze.
Nessa época, uma onda de destruição varreu os palácios dos reis micênicos na Grécia, a cidadela que os gregos chamavam de Troia, no litoral turco (pelo que se sabe, uma área independente do Império Hitita), e diversas cidades-Estado nos atuais territórios de Israel e da Palestina. Vários fatores parecem ter contribuído para esse colapso generalizado, mas o clima pode ter sido um dos elementos importantes em diversos lugares.
O novo estudo sobre os hititas acaba de sair no periódico especializado Nature. Nele, a equipe coordenada por Sturt Manning, da Universidade Cornell (EUA), propõe que todo o século 13 a.C. foi afetado por condições cada vez mais áridas na chamada Anatólia central, região da Turquia que era o coração do Império Hitita.
Essa fase de condições climáticas desfavoráveis teria culminado com três anos de seca duríssima, os quais, segundo os pesquisadores, provavelmente correspondem ao período entre 1198 a.C. e 1196 a.C. no nosso calendário. As datas são muito próximas da estimativa para o momento em que a capital hitita, a poderosa cidade de Hattusa, parece ter sido evacuada e abandonada pelo que restou da administração do império. Algum tempo depois, os prédios foram incendiados.
"Três anos consecutivos de secas [dessa magnitude] são muito incomuns -nada desse tipo tinha acontecido antes ou depois num intervalo de mais de um século", disse Manning à reportagem.
"Estamos falando de um episódio muito específico que as pessoas, e especialmente a elite governante, o Grande Rei e sua burocracia não conseguiram enfrentar nesse intervalo de tempo relativamente curto", explica ele. Seria algo como a última gota d'água (ou a falta dela) para um sistema imperial já relativamente fragilizado no longo prazo.
"Um ano de seca intensa afetando uma área grande pode destruir vidas, mesmo no mundo moderno. Dois anos contínuos costumam destruir as estratégias de resiliência a longo prazo, fazendo com que, por exemplo, não seja mais possível alimentar animais domésticos nas fazendas. Um terceiro ano consecutivo é muito raro e muito sério", argumenta Manning. "No mundo pré-moderno, acabaria minando a autoridade [do rei], tanto pela incapacidade de coletar impostos e alimentar o Exército quanto também do ponto de vista simbólico: claramente os deuses abandonaram e rejeitaram os governantes."
Antes dessa crise final, os hititas tinham conquistado um lugar de destaque entre as grandes potências do Mediterrâneo e do Oriente Médio durante séculos. Guerreavam e tinham ligações diplomáticas com a Assíria, a Babilônia e o Egito. Contra esse último reino, travaram uma das batalhas mais importantes do mundo antigo em 1274 a.C. na localidade de Kadesh, perto da atual fronteira entre a Síria e o Líbano. O combate, liderado pelo faraó Ramsés 2º do lado egípcio e pelo rei Muwatalli 2º do lado hitita, envolveu milhares de soldados montados em carros de guerra puxados por cavalos e terminou numa espécie de empate.
Para estabelecer uma cronologia precisa para as variações do clima na região, os pesquisadores analisaram a madeira usada num monumento funerário gigantesco construído na antiga localidade de Górdion, que fica a 230 km da capital hitita. Embora tenha sido erigido séculos depois do fim do império, o monumento usou madeira de juníperos centenários, cuja estrutura corresponde a um calendário que se inicia por volta de 1800 a.C.
Fazer essa inferência é possível porque as árvores se desenvolvem formando anéis de crescimento no interior de seu tronco, cada um deles correspondente a um ano de vida da planta. Em períodos de clima favorável, tais anéis são grossos, enquanto a falta d'água faz com que eles afinem -nos piores cenários, ficando com menos de um milímetro de largura.
Além disso, os especialistas usaram métodos para datar a madeira com precisão e também para investigar a presença de diferentes formas do elemento químico carbono em sua composição, as quais também trazem pistas sobre épocas de mais ou menos seca. Tudo isso levou à estimativa das datas, que batem com outros registros do fim da Idade do Bronze.
Manning, porém, diz que é preciso cuidado na hora de atribuir a queda de outros Estados da época ao mesmo período seco. "Cada área é diferente", lembra ele. Cidades que desapareceram na costa da Síria, como Ugarit, provavelmente tinham condições climáticas bem diferentes, lembra ele. Por outro lado, é possível que a Grécia, as regiões adjacentes do mar Egeu e talvez também a Itália estivessem sofrendo com secas muito parecidas.
Se o fenômeno foi mais generalizado, ele pode explicar outro elemento que os textos da época mencionam, sem grandes detalhes: os ataques dos chamados Povos do Mar, grupos que talvez tenham vindo da Sardenha, da Sicília e da própria Grécia e chegaram, por exemplo, ao Egito e ao litoral do Oriente Médio. Esses grupos podem ter sido uma mistura de piratas com refugiados. "De maneira geral, o retrato do fim da Idade do Bronze é complicado", resume Manning.