'Pernaltas gringas' desfilam no Carnaval do Rio pela primeira vez

Por JÚLIA BARBON

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - "Les filles!", grita Règina para chamar "as meninas" da trupe enroladas em panos laranjas e rosas que atravessam a avenida se equilibrando em pernas de pau. O funk que toca na caixa de som é em português, mas as instruções são dadas em francês.

Mesmo quase sem falar a língua, elas terão uma experiência neste Carnaval que poucos brasileiros já provaram. Vão ver do alto o bloco mais comprido do Rio de Janeiro, o Boitolo, atravessar a cidade neste domingo (19).

As estrangeiras criaram um grupo de pernaltas, tradição dos cortejos cariocas inspirada nas aves de pernas longas. O conjunto, batizado de "Gringas Fodas", foi gestado pela belga Règina Phalange, 30, que se apaixonou pelo objeto circense ao chegar no país.

Foi mais uma de suas experimentações: ainda na Bélgica, formou-se em design gráfico, largou a carreira para seguir o sonho de virar soldadora, desistiu pelo machismo, trabalhou num abrigo de animais, numa loja de roupa e finalmente numa fazenda. "Tentei de tudo", brinca.

Há um ano, veio com uma amiga para um evento de imersão na cultura brasileira, conheceu a perna de pau e nunca mais voltou. Na folia de rua não oficial do ano passado, saiu perambulando pelos blocos e se entrosou na comunidade engajada na festa. Foi quando percebeu o interesse de algumas francesas.

"Eu pensei: talvez tenha algo para fazer aí. Comecei a dar aula para uma, duas, e depois foi no bouche à oreille, no boca a boca", conta. Hoje os treinos acontecem toda quarta-feira na praça Paris, na Glória, região central do Rio, com alongamento, aquecimento e exercícios variados em cima da perna.

No último treino, as alunas andaram até o Aterro do Flamengo para dominar os degraus, canteiros e ladeiras que terão que ultrapassar no dia do bloco e aproveitaram a areia da praia para "aprender a cair". A maioria delas está no Brasil para estágios ou cursos de alguns meses, ou pretende morar aqui.

Cinzia Mura, 33, por exemplo, veio descobrir suas raízes. Filha de uma brasileira com um italiano, mas criada na França, ela cresceu ouvindo histórias de Carnaval. Chegou a conhecer a festa pessoalmente aos 7 anos, mas não voltava ao país desde os 12.

"Sempre vi as fotos da minha mãe desfilando na escola de samba, deles juntos no Rio. Hoje estou descobrindo tudo de novo, tudo que minha mãe me contava", diz a redatora de publicidade, que trabalha à distância, em português perfeito e leve sotaque francês.

Era mesmo essa a intenção de Règina ao criar a oficina. "Eu queria muito dar a oportunidade para as meninas de viver o que eu vivi, essa experiência no Carnaval. Andar com os blocos, conhecer os músicos, a música e essa cultura, o que é difícil para quem não é daqui."

No geral foi muito bem recebida na comunidade carnavalesca, mas diz já ter percebido alguns olhares na linha "quem é ela para fazer isso?". "Já ouvi uma pessoa falar que é apropriação cultural. Acho que não, né?", acredita.

Outro preconceito que incomoda é o de "gringas fáceis". O empoderamento feminino é uma das pegadas do grupo de estrangeiras, alvos de assédios e assobios enquanto atravessavam as ruas trajadas de foliãs. "Quero ver sambar com essa perna", chegou a gritar um.

Além do Boitolo -uma grande junção e ramificação de cortejos que dura o domingo todo e passa por diversos bairros-, Règina também desfilará no Mulheres Rodadas, primeiro bloco feminista do Carnaval carioca.

Depois que o feriado passar, porém, ela quer juntar as gringas com músicos e fundar um bloco próprio. A ideia é expandir a oficina e viver, literalmente, de perna de pau.

Junto dela nessa empreitada está Virginia Viirginiiem, 31, que se mudou para o Rio por causa de seu ex-namorado, mas acabou se apaixonando mais pela cidade e resolveu ficar mesmo quando ele foi embora para o Rio de Grande do Sul.

"Conheci a Règina num bloco de Carnaval no ano passado e ela me disse: quero criar um bloco para as gringas, você quer participar? Eu disse: com certeza", conta ela, que organiza eventos "francocariocas" para promover a integração de estrangeiros no Rio.

"Vamos transformar a música francesa em ritmo de samba ou Carnaval", sonha.