Efeitos colaterais fazem jovens dispensarem álcool e optarem por drogas ilícitas no Carnaval

Por GABRIELLA SALES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Beber mais do que o habitual costuma ser parte do combo de quem decide aproveitar ao máximo o Carnaval, seja participando de blocos ou correndo atrás de trios por horas. Contudo, os efeitos colaterais e o alto teor calórico das bebidas fazem as gerações mais novas optarem por drogas ilícitas, empurrando os drinques para o fim da lista de substâncias preferidas.

A estudante Priscila (nome fictício, a pedido), 20, diz que o sabor do álcool nunca foi seu favorito. O efeito psicoativo da bebida também não chama sua atenção, o que faz com ela só tome algumas cervejas em eventos sociais "mais tranquilos".

Quando precisa de uma alternativa, opta pela anfetamina. É também o que fará no carnaval.

"O que eu mais tenho costume de usar é MD, ou qualquer coisa que me deixe mais animada em eventos grandes em que eu precise aguentar muito tempo." A jovem se refere à substância MDMA, que possui o mesmo princípio ativo do ecstasy.

A conveniência também é um problema do Carnaval nas ruas. "É complicado ficar comprando bebida em bloquinho, tendo que ir atrás e se arriscar. Prefiro no máximo beber antes e repor com droga no local."

Comportamentos como esse reforçam a suposição de que os jovens da geração Z bebem menos do que os de gerações anteriores.

Um estudo patrocinado pela ONU (Organização das Nações Unidas) com amostras de 2017 e 2018 indica que o consumo de álcool por adolescentes caiu em relação aos anos anteriores. O trabalho, porém, entrevistou apenas jovens do Canadá e da Europa.

Contudo, a ideia de que os jovens da geração Z --nascidos entre o final dos anos 90 e a primeira década dos anos 2000-- não consomem tanto álcool, não está de acordo com a realidade dos brasileiros.

No Brasil, a Pesquisa Nacional em Saúde do Escolar indica um aumento no consumo de bebidas alcoólicas por estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental.

A porcentagem de alunos do período que já consumiram álcool ao menos uma vez na vida passou de 52,8%, em 2012, para 63,2%, em 2019. O consumo de outras drogas também aumentou, mesmo que mais discretamente.

Apesar dessa tendência observada nas pesquisas, o psiquiatra Arthur Guerra, presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Perdizes do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo), afirma que é comum encontrar jovens que não bebem ou bebem menos.

"O álcool é muito calórico, outras drogas são menos", diz. "Hoje vemos uma mudança de padrões sociais em relação ao acesso a drogas ilícitas, e muitos jovens podem acabar tendo contato com elas sem experimentar o álcool primeiro."

Após algumas experiências, a estudante Priscila não é a única que relata incômodo com os efeitos do álcool e dá preferência a outras substâncias.

João (nome fictício, a pedido), 23, reduziu o consumo do álcool após perceber que se incomodava com efeitos como perda de controle e de memória. "Sinto que com outras drogas consigo me divertir mais, ter mais controle sobre mim e sobre a situação e também evitar incômodos ou até riscos à segurança como o álcool proporciona."

No carnaval, também quer priorizar outras drogas. "De todas as drogas que uso ou que já experimentei, o álcool sem dúvidas é a que eu consumo com a maior preocupação de como vou acordar no dia seguinte."

A estudante de psicologia Aline (nome fictício, a pedido), 21, prefere o efeito da maconha. "Já experimentei loló [lança-perfume], LSD e bala, mas uso com pouquíssima frequência, "diz.

Mas o álcool ainda é uma realidade na vida de Aline, que bebe de forma recreativa. Ela planeja, porém, reduzir o consumo, uma vez que as bebidas costumam ser muito açucaradas e calóricas, algo que dificulta a escolha de hábitos mais saudáveis. "Por mais que seja legalizado, não necessariamente me faz bem."

Uma substituta seria a maconha, mas não para este Carnaval. Em decorrência da grande fiscalização na cidade em que mora, Salvador (BA), ela seguirá com a bebida mais uma vez.

"Acaba sendo uma coerção social para consumir álcool", diz. "Vou continuar consumindo os dois, mas acho que se fosse uma escolha livre, não faria as mesmas escolhas."

O psiquiatra Arthur Guerra afirma que há risco de dependência em qualquer droga, inclusive o álcool. Durante a fase de desenvolvimento até os 19 anos, o profissional aponta que também há prejuízos neuropsíquicos.

"O uso recorrente de drogas nessa fase pode levar a problemas de memória, concentração, prejuízos na vida sexual", pontua Guerra. O especialista destaca que, apesar do álcool ser mais tolerado socialmente, seu uso precoce também pode acarretar problemas.

A nutricionista Leane Santos, da Beneficência Portuguesa, afirma que trocar o álcool por outras substâncias não é uma estratégia recomendada pelos profissionais.

"A chave é o equilíbrio e a redução de danos", aconselha. Para evitar prejuízos maiores à dieta e efeitos colaterais indesejados, Santos indica intercalar os drinques com água e comer antes de sair.

"É mais aconselhado escolher bebidas simples e que você beba menos", aponta. "Restrigir completamente também não é a melhor opção, pois a tendência é que você compense em outras coisas."