Criação de parque dos Búfalos envolve até ameaça de morte na periferia de SP
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Negro e gay, Wesley Silvestre não cansa de denunciar o desleixo do poder público em relação ao parque dos Búfalos, um oásis cravado em meio à ocupação urbana, no extremo sul da periferia de São Paulo. No momento em que placas com os dizeres "área verde em implantação" são arrancadas e destruídas, num gesto explícito dos opositores à criação do espaço, ele diz sofrer ameaça de morte, justamente por defender a natureza contra a grilagem de terra.
Líder comunitário, Silvestre, 36, denunciou a criação de loteamento clandestino via ocupação irregular de terreno pertencente ao parque, um ambiente de lazer com resquícios de Mata Atlântica, às margens da represa Billings, no Jardim Apurá. Sua batalha, como ele próprio a descreve, é para que o espaço receba segurança, limpeza, infraestrutura. Enfim, para que os Búfalos possam contar finalmente com a presença de autoridades municipais em defesa de um patrimônio natural, que pertence a todos.
Numa região de carência extrema, na mais rica cidade brasileira, o parque dos Búfalos surge, com suas trilhas largas e sombreadas, como um refúgio, um respiro, em meio a um mar de concreto mal-ajambrado, casas sem reboco e asfalto malcuidado. Ali, lazer é raro.
Às vésperas de completar 11 anos, no dia 6 de março, o parque dos Búfalos ainda enfrenta um imbróglio entre estado e prefeitura que se arrasta há pelo menos seis anos, de acordo com os seus defensores.
Resta aos moradores se juntarem para apagar incêndios, plantar árvores (neste período, foram ao menos 5.000 mudas, calculam os ativistas), combater caça ilegal, recolher lixo e denunciar ameaçadas de ocupações irregulares. É a comunidade em ação, mobilizando-se em defesa dos Búfalos, o parque.
Pai de uma garota de 14 anos, nascido e criado vizinho à área, o vigilante Daniel Thomas Firmino, 46, recorda-se de que os Búfalos eram, na verdade, uma espécie de playground da molecada nativa. "Cresci numa época em que ainda tinha búfalo por aqui. A gente corria por esse mato todo ao lado dos bichos", lembra ele.
Justamente pela presença desses animais entre o final dos anos 1970 e o dos anos 1990, o espaçoso lugar de mato verde no Apurá ganhou de seus moradores o nome de parque dos Búfalos.
Hoje, entre uma caminhada e outra pela área, Firmino cumpre também o papel de apagar incêndios criminosos. "Como não tem vigilância, as pessoas botam fogo em lixo e objetos de que querem se desfazer. Isso aqui é um berçário de aves migratórias. A natureza precisa brigar em demasia para resistir. Falta, contudo, o apoio do homem", afirma.
A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, diz que ainda aguarda autorização e alvará de licenciamento ambiental da Cetesb para iniciar as obras no parque. A pasta encaminhou a última documentação solicitada em novembro de 2022. O prazo previsto de implantação da área pública será de 12 meses após o começo dos serviços.
Em reportagem da Folha, publicada em fevereiro do ano passado, a previsão era concluir as obras do parque ainda em 2022, o que não aconteceu.
Por sua vez, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) informa que a questão do parque avançou. Agora, depende do termo de compromisso de recuperação ambiental. Alega, porém, falta de documentos por parte tanto da empresa responsável pelo condomínio às margens do parque quanto da própria gestão Ricardo Nunes (MDB).
"Nossos representantes precisam ter consciência de que esse parque é a única área de lazer que temos na região", ressalta o aposentado Geraldo Gouveia, 75 anos, 30 deles vivendo na vizinhança do parque.
Caso os Búfalos fossem um espaço público de verdade, com o aval e o cuidado da prefeitura, eles ganhariam uma zeladoria, que se debruçaria em temas relacionados tanto às questões ambientais quanto às de proteção do lugar, opina o aposentado, que trabalha, como voluntário, na limpeza das trilhas.
Ao contrário de Gouveia, a fotógrafa Mila Maluhy, 62, ambientalista, também voluntária, mora no Morumbi, na mesma zona sul da capital, mas costuma frequentar os Búfalos sobretudo aos fins de semana. Diz ela: "Enquanto o poder público não age, o parque vira um reduto de irregularidades. A ausência do Estado abre flancos para a criminalidade. E isso não ocorre somente na Amazônia".
Morador do Residencial Espanha, condomínio de 193 prédios com 3.860 apartamentos, obra que "abocanhou" parte da superfície do parque, o eletricista Nino Pereira, 44, afirma que não adianta todo o esforço hercúleo dos moradores num momento em que o parque não é reconhecido, tampouco oficializado pelos governantes.
"Vale dizer", conta ele, "que a criação do parque não irá beneficiar somente os moradores do Jardim Apurá". "Ela será benéfica para São Paulo toda, uma cidade tão carente de espaços verdes", completa Pereira.
"A área poderia receber quadras de esportes", palpita o filho, João Augusto, 10, na esperança de, quem sabe um dia, ter um ambiente para brincar com os amiguinhos. "Aqui não tem divertimento algum."
Os que se juntam em defesa dos Búfalos criticam ainda o lançamento de esgoto nas águas da represa que banham o parque, coisa que a Cetesb diz estar em apuração.
Voluntários e moradores também alertam para a reocupação de áreas de favelas dentro de território do parque.
Referem-se, por exemplo, ao complexo da Fumaça, que abrange as comunidades da Fumaça, da Neblina e do Leblon. Segundo eles, a favela da Fumaça voltou a ser erguida ainda maior. Desta vez, com mais cem novos barracos.
A prefeitura informa que foram iniciados os trabalhos de cadastramento das moradias localizadas naquela área para serem reassentadas. Afirma também que o recinto hoje ocupado será destinado ao desenvolvimento do parque.
Silvestre lembra que, todo ano, a ladainha continua a mesma, só troca de porta-vozes.
"Esse empurra-empurra entre a prefeitura e o estado sinaliza o descaso das autoridades, que ignoram quem vive às margens da cidade", afirma. "Afinal, estamos fora do radar dos interesses financeiros. Isso jamais aconteceria nos Jardins ou em Higienópolis", compara.
Sobre a ameaça de morte do líder comunitário, a Secretaria de Segurança Pública do Estado informa investigar o caso. Silvestre, porém, não parece muito confiante. "Mano, aqui é periferia", desabafa.
O defensor dos Búfalos reconhece o cansaço. No entanto, diz buscar energia no ambiente verde do parque, na tentativa de manter a esperança de preservar um ambiente tão frágil e ameaçado, nos rincões da metrópole.