'Só quero saber onde vou ficar', diz desabrigada após chuvas no litoral norte de SP
SÃO SEBASTIÃO, SP (FOLHAPRESS) - A faxineira Rosemeire Nascimento de Santos, 47, afirma que, apesar das perdas materiais, está bem assistida: tem dormido na casa de uma colega que a abrigou, juntamente com a filha, o marido, o neto e outras seis pessoas.
Ela escolheu ficar nessa residência na Barra do Sahy, em São Sebastião, porque não conseguiu se adaptar ao abrigo montado para os afetados pelas fortes chuvas no litoral norte paulista, que causaram a morte de ao menos 65 pessoas. O motivo é o grande número de pessoas alojadas no local.
Rosemeire que está na casa por um favor da colega, que vive da renda do aluguel do imóvel. Por isso, logo sua família terá que sair dali.
"Móvel a gente não liga, a gente vai trabalhar para reconquistar e ainda temos a possibilidade de conseguir doação. Eu só queria saber onde vou morar", diz a faxineira, que vivia em uma das casas consideradas em zona de risco na Vila Sahy, a região mais afetada pela tragédia.
Um mapa não oficial da Vila Sahy que circula em grupos de WhatsApp aponta uma área laranja onde estariam as casas que seriam derrubadas devido ao risco de desmoronamento. A reportagem entrou em contato com a Defesa Civil do município de São Sebastião, que afirmou não poder confirmar o número de imóveis que serão interditados devido ao potencial de queda. "As equipes estão trabalhando na busca por desaparecidos e fazendo mapeamento dos locais atingidos pelo temporal", diz o órgão.
A situação aflige a família de Rosemeire. "A minha angústia é saber qual vai ser a situação da minha filha. Ela é autônoma e tinha um carrinho de churrasco que foi levado pelas chuvas. Vai viver do quê? Como vai criar o filho? Precisamos saber o que fazer."
O governo deu início, na última sexta-feira (24), ao cadastro dos moradores do litoral norte de São Paulo para viverem no conjunto do CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) que vai ser construído para começar a tirar pessoas de áreas de risco e dar moradia a quem perdeu. A expectativa é que o terreno de mais de 10 mil m² seja usado para a implantação de programa habitacional para famílias de baixa renda.
"As unidades serão destinadas ao atendimento de moradores de áreas de risco afetadas e famílias que perderam suas casas em razão das chuvas intensas", afirma o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) por meio de nota.
A família de Rosemeire, porém, ainda não conseguiu realizar o cadastramento.
A dúvida sobre o futuro após o desastre é sentida por outras famílias. Ao todo, as chuvas deixaram 1.090 desalojados e 1.346 desabrigados.
Maria Lúcia de Jesus, 55, também trabalha como empregada doméstica e relata que tem dormido na casa de um dos seus patrões. Durante o temporal, conseguiu levar para a casa deles 30 pessoas, que foram saindo aos poucos na última semana.
Ela, que vive sozinha, afirma que a casa dela na Vila Sahy não foi afetada pelo temporal e tem sido usada para guardar móveis de outras pessoas. Mas ela considera que há risco de desabamento.
"Precisamos de uma resposta certa. Para onde nós vamos com segurança? Precisamos de um local para conseguir essa informação. Não é pedir muita coisa."
A angústia é vivida também fora da Vila Sahy. Rosana Ribeiro Soares Santos, 39, é dona de uma loja de sapatos no começo da vila e vive na Baleia Verde, comunidade onde as buscas por corpos continuavam nesta segunda-feira (27) para tentar encontrar ao menos mais um desaparecido.
Ela passou a semana limpando a casa, que foi inundada. Nesta segunda, esteve na loja e retirou dezenas de pares de calçados que foram perdidos com a onda de lama.
Ela calcula um prejuízo de mais de R$ 80 mil e vive a incerteza sobre o futuro do emprego e da sua casa. Quando a reportagem entrou no estabelecimento, ela estava com as filhas e tentava limpar o local.
"Tenho que continuar na minha casa, não tenho para onde ir. Nunca vi nada parecido com o que aconteceu aqui." Ela planeja lavar as mercadorias que perdeu para encaminhá-las para doação. "Não sei como continuar com a loja. A gente está sem rumo aqui."
Enquanto relata o que aconteceu, aponta para os calçados agora já dentro de sacos de lixo. "Esse aqui era nosso ganha-pão. Faculdade de filho. Casa para manter. Como vamos manter isso aqui? Perdi amigos, conhecidos e ainda tive um prejuízo."