Voluntários deram primeira resposta à tragédia em São Sebastião
SÃO SEBASTIÃO, SP (FOLHAPRESS) - O estoque estava cheio para atender a clientela da cozinheira Valdinéia da Conceição, 50. O Carnaval seria o ponto alto do primeiro ano do Pimenta Rosa, restaurante familiar que finalmente funcionava em pleno verão sem as limitações impostas pela pandemia. Mas a expectativa de um feriado promissor deixou de existir já nas primeiras horas do domingo (19), quando começaram a chegar moradores e turistas desabrigados pela tempestade que deixou 65 mortos no litoral paulista.
Na Barra do Sahy, localidade de São Sebastião que concentrou a maior parte dos óbitos, o estabelecimento era um dos poucos que continuaram a ter energia e sinal de internet para que as pessoas pudessem fazer contato com parentes e amigos.
A casa de Valdinéia e de sua família, em Camburi (também em São Sebastião) também foi invadido pela água. Mesmo assim, eles decidiram ficar no restaurante e preparar refeições para doar a qualquer um que batesse à porta -são cerca de 400 marmitas por dia.
"Fiquei triste quando meu estoque zerou na segunda-feira [20] porque não tenho coragem de entregar um prato só com arroz e feijão, sem uma mistura, para quem já está sofrendo tanto", disse. "Mas as doações começaram a chegar e nós conseguimos continuar."
Antes que poder público, ONGs e grandes empresas pudessem chegar à Barra do Sahy, inacessível por terra devido aos deslizamentos sobre a rodovia Rio-Santos, foi o trabalho de formiga de voluntários que amenizou os efeitos da tragédia.
Ainda com o mar ressacado e cheio de troncos que despencaram das encostas, proprietários de pequenas embarcações lançaram-se ao mar carregados da proa à popa com alimentos, água potável e remédios para levar às praias isoladas. Partindo de marinas em Barra do Una, acessaram Juquehy, Barra do Sahy e Boiçucanga (todas localizadas em São Sebastião).
Entre esses barqueiros, o economista Ilan Lebl, 32, contou à bordo do seu bote inflável motorizado que a parte mais difícil era escolher a quem socorrer primeiro. "Hoje nós estamos priorizando Barra do Sahy, mas a situação em outras praias também é ruim. É muito difícil fazer esse tipo de escolha."
Nas primeiras horas após a queda parcial dos morros, coube aos próprios sobreviventes a tarefa de vasculhar a lama em busca de soterrados.
"Conseguimos tirar daqui mais de dez corpos no domingo", relatou o ajudante-geral Alex Cerqueira, 40, morador há 25 anos da vila do Sahy. Nos primeiros dois dias após os desmoronamentos, voluntários ainda eram maioria entre as pessoas que escavavam a terra com pás e baldes.
Enquanto centenas de desabrigados e feridos eram encaminhados para a sede do Verdescola, instituto voltado à educação transformada em hospital de campanha, animais domésticos perambulavam pelo entorno à procura de seus donos.
Resgatar a bicharada nas vielas, casas e escombros enlameados foi a missão assumida pela publicitária Sophia Caetano, 30, moradora do bairro.
Apoiada por um grupo de vizinhas, comprou ração, caixas de transporte e outros itens necessários para recolher e acolher os bichos. Negociou a cessão de uma quadra da associação de bairro para colocar os animais e fez os primeiros contatos com empresas do segmento pet para receber doações.
Ele teve que buscar ajuda para conseguir atendimento para os animais feridos, já que os recursos médicos tinham como foco as pessoas. "Um rapaz da Gerando Falcões [ONG que chegara ao local para prestar ajuda humanitária] perguntou porque eu estava chorando, eu contei o que estava acontecendo, e ele fez contato com o pessoal da Ampara [organização que atende animais domésticos negligenciados]", contou.
Sophia, suas vizinhas e a Ampara tinham resgatado e acolhido até a última sexta (24) cerca de 40 cachorros e 30 gatos. "Sei que a prioridade são as pessoas, mas elas já estavam recebendo atendimento, alguém precisava fazer algo pelos animais."
Na semana em que São Sebastião enfrentou um dos piores episódios de sua história, a cidade recebeu voluntários para atender das necessidades mais básicas às imateriais.
Foi para cuidar do espírito de socorristas que Wagner Germano, 34, estava na Barra do Sahy. Segurança da Fundação Casa, é capelão do PMs de Cristo, grupo composto em sua maioria por militares evangélicos que participam voluntariamente de missões de resgate em catástrofes.
O trabalho dele é conversar e orar com socorristas em um ambiente de extremo perigo e lembrança constante da morte. "Por mais que estejam preparados, é uma situação muito difícil. Atrás de uma farda tem um coração, tem um pai", diz Germano. "Estou aqui com eles, até a hora que acharem o último corpo."