Projeto leva pessoas com deficiência para fazer trilhas no Rio de Janeiro
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - "Estar na cadeira de rodas não foi o fim para mim, mas sim o início de muitas coisas novas." Paraplégico há 30 anos, o autônomo Anderson Carlos vive em busca de momentos de superação e aventura. Agora, aos 48 anos, ele concluiu sua terceira trilha graças ao Coletivo Inclusão. Criado no segundo semestre de 2021, o grupo já conta com mais de 200 voluntários e possibilita que pessoas com deficiência façam trilhas do Rio de Janeiro.
"Cada vez que a gente vem é uma emoção diferente, é uma conquista diferente. Eu fico muito feliz de existir essa galera nesse projeto que proporciona a pessoas como eu, fazer coisas inimagináveis, impossíveis. A gente não anda, mas eles, com toda força de vontade, nos carregam para onde for", disse Anderson, emocionado, ao chegar no topo da Pedra Bonita, na zona sul da cidade.
A trilha da Pedra Bonita está localizada dentro do Parque Nacional da Tijuca, entre a Pedra da Gávea e os bairros de São Conrado e Barra da Tijuca.
Segundo ele, o próximo objetivo é subir no cume da Pedra da Gávea, na mesma região, considerada uma das mais difíceis do Rio. "Em cada desafio como esse, a gente se sente mais capaz e percebe que o fato de sermos pessoas com deficiência não nos limita. Porque eu acho que a maior limitação do ser humano está na mente e não no corpo", afirmou.
O Coletivo Inclusão nasceu a partir de um projeto de São Paulo, o Inclusão Radical. O grupo veio para o Rio com o objetivo de fazer uma trilha com um PcD (Pessoa com Deficiência) na Pedra da Gávea. "A semente foi plantada naquela subida, criamos o nosso grupo e começamos a nos planejar. Em 21 de julho de 2021, subimos o primeiro cadeirante", contou Bruna de Souza, uma das administradoras do coletivo.
Desde então, os voluntários fazem isso ao menos uma vez por mês, de acordo com as condições climáticas. Em 2022, foram 13 subidas. Para este ano, há uma lista de espera de 30 pessoas em média e uma meta de chegar próximo ao dobro de subidas. Para isso, o grupo considera levar dois cadeirantes por vez, dependendo da trilha.
Foi o que fizeram no primeiro trajeto deste ano, realizado no último dia 18. Além de Anderson Carlos, a autônoma Maria da Penha Barros, 53, também subiu a montanha da Pedra Bonita com a ajuda do Coletivo Inclusão.
"Você vem subindo a trilha e o coração vem saindo pela boca de emoção. E aí, chega aqui em cima, diante de uma paisagem dessa, na nossa condição de cadeirante, é um sentimento de muita gratidão. PcD é totalmente excluído, então quando a gente encontra uma galera que quer te incluir, é muito especial", disse ao lado das filhas Yasmin, 20, e Isabela, 26, que acompanharam todo o trajeto.
A caçula diz ver a mãe como inspiração. "Eu a acho muito corajosa. Ela faz parte de um treino funcional adaptado há cinco anos, e a partir daí começou a ir em vários projetos de ecoturismo, trilhas, já até pulou de parapente. E eu passei a acompanhar também. Ela busca se desafiar e isso me inspira muito", disse, com os olhos cheios de lágrimas.
"Eu sempre fui muito ativa, e isso [a cadeira] não me parou. Há pouco mais de 30 anos como cadeirante, eu sigo em busca de ter a minha liberdade, de fazer algo por mim. Com as minhas aventuras, hoje eu incentivo as pessoas que têm medo de viver esse tipo de experiência, inclusive quem não é PcD", disse Penha, que ressaltou a dedicação dos voluntários.
"Parabéns para eles! Eu até fiquei preocupada olhando o esforço porque é mesmo muito cansativo carregar a gente. Tem que ter força, coragem e fé para isso", disse.
Com duração estimada de uma hora, o percurso da Pedra Bonita é considerado moderado a leve. Os trajetos com pessoas com deficiência levam mais tempo por conta do revezamento entre os voluntários e as paradas para descanso. O trajeto com os dois cadeirantes na semana passada durou cerca de quatro horas, entre ida e volta.
Para praticar a trilha, o cadeirante é levado em uma Julietti, uma cadeira desenvolvida especialmente para esse tipo de atividade. Inicialmente, o coletivo dependia de uma cadeira adaptada cedida pelos parques, que são obrigados a ter o item. Com a ajuda de uma vaquinha online e um brechó, o grupo conseguiu adquirir uma própria por R$ 6.000.
O projeto não tem fins lucrativos. Todos os equipamentos necessários são custeados pelos próprios voluntários, e cada um arca com seus gastos pessoais.
Quem estiver interessado em participar deve entrar em contato com @coletivo.inclusao no Instagram. É feita uma triagem. Não é permitido, por exemplo, a participação de pessoa com deficiência que tenha sofrido lesão há menos de um ano. Dependendo do caso, também pode ser necessário uma liberação médica.
Já para quem quer se voluntariar, o canal é o mesmo, pela página oficial do grupo no Instagram. Neste caso, é avaliado somente se a pessoa tem alguma experiência com ecoturismo. Mas, o grupo ressalta que toda ajuda é bem-vinda.
"É importante que o voluntário tenha alguma intimidade com esse tipo de atividade. Claro que para carregar o cadeirante também é preciso preparo e certa capacidade de força física, mas vai muito além disso, o mais importante é o comprometimento e a união. Tem gente que sobe carregando uma mochila, água, dando um grito de incentivo, tudo isso ajuda e muito", explicou o voluntário Ailson Luiz.
Ele, que trabalha com rapel e escalada, participa há seis meses do projeto. "A gente já gosta de subir a montanha sempre, e quando você traz uma pessoa que não conseguiria fazer isso [sozinha], é uma emoção indescritível. No dia da trilha, eu nunca marco nada, para estar totalmente aqui, com eles. É uma das melhores experiências."
Bruna, que ajuda a administrar o projeto, mora em São Paulo onde trabalha como contadora, mas vai ao Rio de Janeiro todo mês para participar das subidas com o coletivo. "Não se trata apenas de fazer uma trilha, mas de realização de sonhos. Você só percebe isso quando você participa. As necessidades deles passavam despercebidas por mim, mas quando você abre o olho e quebra aquele véu, você começa a querer se envolver mais, participar mais, estar mais junto, entender melhor."
"Em geral, não tem nada que um PcD possa fazer na natureza, e ninguém se preocupa. Se quiser ir à cachoeira ou à praia, não dá. Como ele vai conseguir chegar na água? Como vai ter acesso a uma vista dessa de tirar o fôlego? Então, é para isso que a gente está aqui. Para possibilitar essas experiências e, mais do que isso, chamar atenção para esse direito que é de todos", completou Bruna.