'Rainha do pó' suspeita de compra de sentença está na mira da polícia há mais de 10 anos
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Apontada pela Polícia Federal como financiadora da propina de R$ 3,5 milhões supostamente paga ao juiz federal Cândido Ribeiro, do Tribunal Regional da 1ª Região, em troca da soltura de um traficante, Karine Campos é nome frequente em investigações de combate ao tráfico ao menos desde 2011.
Conhecida nos meios policiais como a "rainha do pó" e maior exportadora de cocaína via portos do país, Karine foi condenada a 17 anos de prisão pela Justiça Federal em São Paulo em 2020.
Ela está foragida desde 2021, quando o STJ (Superior Tribunal de Justiça) substituiu a pena por prisão domiciliar. O motivo foram os dois filhos menores que, segundo a decisão, necessitavam da presença da mãe.
A Folha tentou contato com advogados que aparecem como defensores de Karine Campos em processos na Justiça, mas não obteve retorno.
Antes, ela havia entrado na mira de investigadores especializados na repressão ao tráfico de entorpecentes por várias vezes. A primeira delas foi em 2011, quando foi alvo da operação Maia, da Polícia Civil da Bahia. Em 2014, novamente na Bahia, foi investigada na operação Twister, da PF.
Em outra ação da PF, em 2019, dessa vez no Porto de Santos (SP), Karine Campos aparece como líder da organização criminosa que teria exportado cerca de 6 toneladas de cocaína para países da Europa.
Um relatório de análise, produzido pelos investigadores da operação Alba Vírus e citado pelo juiz do caso na sentença que a condenou pelo tráfico, aponta para a arrecadação de quase R$ 1 bilhão pelo grupo com a venda da droga.
Nesse caso, a PF alcançou a Rainha do pó após encontrar documentos falsos utilizados por ela em uma residência na qual foi apreendida parte da droga movimentada pelo grupo.
Os investigadores seguiram as informações coletadas com os envolvidos diretamente no tráfico de cocaína e encontraram uma rede de pessoas usadas como laranjas em empresas, imóveis urbanos e veículos.
Também descobriram que Karine possui amplo patrimônio. São casas, fazenda, veículos de luxo, joias e outros bens. A PF apreendeu ao menos R$ 1,7 milhão em joias em uma casa e encontrou registro de uma fazenda adquirida por R$ 12 milhões no Mato Grosso do Sul.
Entre as empresas atreladas a Karine Campos estão transportadoras utilizadas para movimentar a cocaína até diversos portos brasileiros. A PF monitorou viagens com droga do grupo com caminhões das transportadoras até para o Nordeste.
"Importa destacar que, pelas informações obtidas, os contêineres contaminados com a cocaína não eram embarcados somente pelo porto de Santos (SP), mas também por Navegantes (SC), Paranaguá (PR) e possivelmente outros, inclusive no Nordeste. Desse modo, é possível concluir que a organização criminosa possuía galpões em mais de um Estado da Federação", diz trecho da sentença que condenou Karine em Santos.
O grupo liderado por ela, descobriram os investigadores, era especializado na técnica "rip on/rip off" para passar a droga pelas fiscalizações nos portos brasileiros.
"[A técnica] consiste na interceptação de unidades de carga, na maioria das vezes com a conivência dos motoristas, para carregá-las com cocaína, que é escondida em meio a carga lícita sem conhecimento do exportador, o que exige que o processo seja feito com celeridade e, normalmente, próximo aos portos de embarque, para que os motoristas não precisem se desviar das rotas", explica a sentença da operação Alba Vírus.
Após ganhar liberdade, em agosto de 2021, Karine Campos conseguiu sair do radar da PF, mas voltou em 2022 quando começou a apuração sobre a compra de sentença no TRF-1. A suspeita da PF é que ela esteja foragida na Bolívia ou Paraguai.
Como revelou a Folha, ao longo da investigação da operação Habeas Patter, a Polícia Federal monitorou o encontro de parentes de Leonardo Nobre, um integrante do grupo da Rainha do Pó, com pessoas ligadas ao juiz federal Cândido Ribeiro, entre elas o advogado Ravik Ribeiro, filho do juiz.
Os investigadores chegaram a pedir a prisão do magistrado, mas a ministra Laurita Vaz, do STJ, negou a solicitação. A investigação começou após uma apreensão de 175 quilos de cocaína em Lisboa, Portugal.
"Foi identificado na investigação sujeito conhecido como 'Negão', alcunha de Davidson Soares, braço direito a serviço da 'Patroa' ou 'Madrinha' ou 'Mãe" ou 'Esmeralda', codinomes de Karine Campos, mulher referida como a maior traficante do país, mas sediada na Bolívia ou Paraguai, pessoa quem liberaria o dinheiro necessário para o pagamento de propina no valor de R$ 5 milhões para obtenção da soltura de Leonardo Nobre", diz trecho da decisão do STJ que autorizou busca em endereços do juiz federal.
A Folha procurou o juiz e seu filho. Em nota, o gabinete do juiz disse que a investigação corre em sigilo e não tem nada a declarar.
Em um primeiro momento, a propina paga seria de R$ 5 milhões, mas, após esses parentes encontrarem pessoalmente Ravik Ribeiro, diz a PF, o valor acertado foi de R$ 3,5 milhões.
Após esse encontro, um habeas corpus cujo julgamento estava previsto para 7 de março de 2022 foi tirado da pauta do TRF-1 --à época, o juiz Cândido Ribeiro estava de férias.
No dia 19 do mês seguinte, no entanto, Nobre teve a prisão revogada com base no voto de Cândido Ribeiro. A prisão foi substituída pelo monitoramento eletrônico.
A PF continuou com a investigação e, dias depois, soube, por meio de ligações telefônicas, do planejamento de uma reunião entre o traficante, agora solto, sua irmã e o filho do juiz.
"O encontro se deu exatamente 19 dias depois de Leonardo Nobre obter decisão favorável à sua liberdade exarada pelo desembargador Cândido Ribeiro, pai de Ravik, e chamou atenção que no início do encontro Leonardo estava com uma caixa em suas mãos que ao final do encontro passou para as mãos de Ravik", diz a PF.