Precisamos de ações em todos os níveis contra as mudanças climáticas, diz Paulo Artaxo

Por ANA BOTTALLO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "O que falta é um governo que se preocupe realmente com a emergência climática e com a sua população mais carente". É assim que Paulo Artaxo, físico e professor da USP, define as estratégias adotadas para prevenir eventos climáticos extremos, como as chuvas que provocaram deslizamento de moradias e mais de 60 mortes em São Sebastião (SP) em fevereiro.

As responsabilidades para a proteção das populações vulneráveis e prevenção de desastres devem partir dos níveis municipais, estaduais e federais, afirma.

"Não é uma questão da falta de ferramentas. O que falta é uma melhor integração entre as defesas civis, as prefeituras, o governo estadual e o governo federal quando ocorrem eventos climáticos extremos."

Artaxo é um dos membros do IPCC, o Painel Internacional para Mudanças Climáticas da ONU que elabora há 20 anos relatórios sobre os efeitos do aquecimento global e das mudanças climáticas no mundo.

O último relatório, lançado na segunda (20), foi taxativo ao dizer que alguns dos efeitos são irreversíveis, como o aumento do nível do mar e o impacto nas florestas, mas também avaliou que ainda é possível agir para conter -em parte- os estragos.

"Não é possível mais limitar o aquecimento global a 1,5°C ou 2°C até o final do século. Mas é possível limitar a 2,5°C. Hoje estamos com uma temperatura da ordem de 3°C até a segunda metade do século."

Formado em física pela Universidade de São Paulo, Artaxo dedicou sua vida ao estudo da Amazônia e das mudanças climáticas globais. Ele afirma que ações mais contundentes das autoridades em todo o mundo não ocorreram até agora devido à forte pressão das empresas petrolíferas e do mercado financeiro global.

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PERGUNTA - O que o senhor achou dos novos dados do relatório do IPCC?

PAULO ARTAXO - O relatório deixa claro que existem processos que são irreversíveis e enfatiza a urgência de reduzir emissões globais: ele fala de irreversibilidade, em particular na questão do aumento do nível do mar, e da destruição dos ecossistemas, em especial das florestas tropicais.

P - Reduzir as emissões e frear o desmatamento para diminuir a temperatura média global é uma meta realista?

PA - Não há maneira mais rápida, fácil e barata de reduzir as emissões de gases-estufa do que essencialmente cortar o desmatamento de florestas tropicais. Por isso que os países estão investindo tanto no Fundo Amazônia.

Já quanto à redução na queima de combustíveis fósseis, já dispomos de todas as tecnologias necessárias, não precisamos desenvolver nada novo, e é possível cortar a queima de combustíveis fósseis se as indústrias associadas com a queima de petróleo permitirem que isso aconteça.

P - É possível limitar o aquecimento global a 1,5°C ou 2°C até o fim do século?

PA - Não. Não é possível mais. É preciso agora trabalhar com outro panorama. Na atual taxa de emissão, segundo os cientistas, vamos atingir uma temperatura da ordem de 3°C na segunda metade deste século.

Essa é a trajetória que estamos indo hoje. Se ela vai mudar na próxima década, e eu espero que sim, podemos tentar limitar o aquecimento a 2,5°C. Mas 1,5°C e 2°C já é impossível.

O que é importante no último relatório é que ele guarda um espaço para a questão das soluções, mostrando que já temos as soluções para reduzir as emissões pela metade.

Agora, por que isso não é implementado? Os governos só atendem ao interesse da indústria, em vez de atender os interesses das populações que os elegeram. Isso vai ter que mudar e quanto mais rapidamente conseguirmos mudar isto, melhor para nós.

P - De que maneira o Brasil sofre os impactos das mudanças climáticas? Existem programas estudados para tentar mitigar seus efeitos?

PA - O Brasil é um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas por uma série de razões: primeiro pela sua localização tropical, ou seja, sua alta temperatura média, muito acima da encontrada em países do hemisfério Norte.

Nossos ecossistemas naturalmente já sofrem com estresse hídrico e de temperatura. E isso só tende a aumentar com o aumento do aquecimento global.

Em relação aos programas, diversas cidades, como Santos (SP) e Rio de Janeiro, possuem planos para lidar com o aumento do nível do mar, porque a própria sobrevivência delas pode estar em risco. Mas estas são iniciativas isoladas, municipais.

Sem dúvida, precisamos de ações em todos os níveis: municipal, estadual e federal. A nova autoridade climática federal está reativando o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas [criado em 2016], vamos ver o que eles conseguem fazer.

P - O que falta no Brasil para implementar essas ações?

PA - O que falta é realmente ter um governo que se preocupe com a emergência climática, com a sua população, particularmente com a sua população mais carente, mais vulnerável, e que infelizmente não foi o que tivemos ao longo dos anos.

P - Existe um mito popular que o Brasil, apesar de ser um país tropical, é abençoado por não ter furacões ou terremotos. O que o sr. acha dessa afirmação?

PA - É uma bobagem. Os eventos climáticos ocorrem aqui, estamos cansados de ver secas intensas e inundações, como as que atingiram a Bahia, Minas Gerais, e outras, assim como as estiagens que ocorrem em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.

Não existe isso de dizer que aqui não há eventos, muito pelo contrário, o Brasil é suscetível às mudanças climáticas de uma maneira muito forte.

P - Quais são as ferramentas hoje utilizadas para monitorar eventos extremos e minimizar seus efeitos?

PA - Hoje os modelos climáticos conseguem prever, em geral, eventos climáticos extremos com tempo suficiente para que a Defesa Civil possa atuar na proteção da população mais vulnerável.

O que falta é uma melhor integração entre as defesas civis, as prefeituras, o governo estadual e o governo federal quando ocorrem eventos climáticos extremos.

Por exemplo, no caso da Barra do Sahy [em São Sebastião, no litoral norte de SP, em fevereiro], a própria imprensa noticiou que menos de 2% dos recursos disponíveis para adaptação e prevenção foram utilizados. Isso é um absurdo.

P - Já vemos uma maior desertificação no Norte e Nordeste do país, com aumento de estiagens, enquanto no Sul e Sudeste têm crescido a ocorrência de chuvas intensas. No entanto, as estiagens parecem ser uma preocupação menor dos governos. Como o sr. classifica isso?

PA - Na verdade, a problemática das estiagens é mais complexa do que a de grandes inundações, então essa é a razão pela qual há menos ação. Agora, ambas devem ser enfrentadas. O problema é que não há continuidade.

P - É possível traçar uma relação do desmatamento com a maior ocorrência de eventos climáticos extremos, a exemplo do que houve recentemente em São Sebastião (SP) e Manaus?

PA - Sim. Este último relatório [do IPCC] deixa bem claro na questão da atribuição que o aquecimento global está causando aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos. E é por isso que ocorrem as precipitações além do esperado.

Estamos vendo chuvas muito mais intensas, secas mais fortes e prolongadas, causadas pela alteração da circulação atmosférica associada ao aquecimento global.

P - Esse conhecimento é recente ou já se sabia há décadas?

PA - Os seis relatórios do IPCC publicados ao longo dos últimos 20 anos fazem um alerta claro daquilo que já estamos observando, que é um aumento de eventos climáticos extremos. Isso não é para o futuro, são questões que estão ocorrendo hoje.

A falta de ação dos governos se deve basicamente porque a maior parte dos interesses políticos do governo é voltada para proteger a população de mais alta renda, não é direcionada para os mais vulneráveis.

Isso acontece porque os governos são controlados, no caso do Brasil, pelo avanço do desmatamento, e dos países europeus e Estados Unidos, pela indústria do petróleo. Sem uma mudança de paradigma em direção à sustentabilidade social, econômica e ambiental, nós não temos saída.

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RAIO-X

Paulo Eduardo Artaxo Netto, 69

Professor do Instituto de Física da USP, é também vice-presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo e vice-presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), desenvolveu sua carreira trabalhando com Amazônia e mudanças climáticas globais.