Outra medida que se consolidou foi o atendimento 24h das delegacias especializadas de Atendimento à Mulher (Deam), inclusive em feriados e finais de semana. A determinação está na Lei nº 14.541, publicada nesta terça-feira (4), no Diário Oficial da União.
A pasta também esteve no lançamento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci II), que tem o enfrentamento à violência de gênero como um dos eixos. Ao todo, o governo prometeu 270 novas viaturas para as patrulhas Maria da Penha e delegacias especializadas de atendimento a mulheres. Essas e outras ações e intenções constam de uma lista sistematizada pelo ministério.
A diretora do Centro Popular da Mulher, da União Brasileira de Mulheres (UBM) de Goiás, Lucia Rincon, salienta que as mulheres são as primeiras interessadas na democracia. “Sem a democracia, não temos nada, nem a condição de falar do diferente, de nos manifestarmos, porque onde não há democracia, não há manifestação, divergência, diversidade. Essa é a grande primeira questão que, ao se avaliar ou se fazer um apanhado das ações do governo Lula, precisamos colocar”, defende.
Para a pró-reitora de Extensão e Cultura e Professora Adjunta na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Conceição Reis, ver esse tipo de representação crescer no governo federal é algo que revela abertura de diálogo e possibilidades de melhora para grupos esquecidos nos últimos anos. “A representatividade e experiências dessas mulheres ajudam a garantir esses direitos e elaborar políticas com este fim”, afirma. “Tenho muitas expectativas de melhorias para nós, mulheres negras”.
População negra
O governo Lula tem emitido uma mensagem inicial de atenção à população negra do Brasil. Sua primeira providência foi a criação do Ministério da Promoção da Igualdade Racial, onde reserva assento à irmã da vereadora Marielle Franco, Anielle Franco.
No que diz respeito à vereadora assassinada em 2018, o governo tem buscado acelerar o andamento das investigações. Com isso, em 22 de fevereiro, o ministro Flávio Dino determinou a instauração de um novo inquérito da Polícia Federal para ampliar a colaboração com a apuração do caso.
O mês de janeiro começou com um aceno do governo aos movimentos negro e indígena. No dia 11 daquele mês, o presidente da República assinou a Lei nº 14.532, que equipara injúria racial ao crime de racismo. A discriminação torna-se um crime imprescritível. Além disso, atualiza-se a lei, com a tipificação de racismo esportivo, artístico, cultural e religioso, esse último vivido com frequência por adeptos de religiões de matriz africana.
O presidente Lula também sancionou a Lei nº 14.519, de 05 de Janeiro de 2023, que institui o dia 21 de março como o Dia Nacional das Tradições de Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. A sanção presidencial foi tida como “um marco histórico” pela Fundação Cultural Palmares (FCP).
Em 21 de março, o presidente Lula assinou um decreto que reserva 30% dos cargos em comissão para negros e indígenas e entregou títulos de propriedade definitiva para quilombolas de Minas Gerais e Sergipe. Também foram assinados decretos referentes ao Programa Aquilomba Brasil, que vai promover direitos como acesso à terra, qualidade de vida e cidadania; e que instituem Grupos de Trabalho voltados ao novo Programa Nacional de Ações Afirmativas, Plano Juventude Negra Viva, Cais do Valongo e enfrentamento ao racismo religioso.
No início de abril, o governo federal revogou a “Ordem do Mérito Princesa Isabel”. No lugar, instituiu o Prêmio Luiz Gama de Direitos Humanos, que será concedido, a cada dois anos, sempre em anos pares, a pessoas físicas ou jurídicas que tenham notório trabalho na promoção e defesa dos direitos humanos, no Brasil.
Nesta semana, o presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge Rodrigues, que foi escolhido para integrar a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, assinou a revogação da Portaria 189/20. O texto foi editado durante o governo Bolsonaro e promovia a exclusão de homenagens feitas a personalidades negras, como a escritora Conceição Evaristo e o cantor e compositor Milton Nascimento, do site oficial da fundação.
Na última quinta-feira (6), a FCP revogou a Portaria 57/2022, do governo Bolsonaro, que tornava mais rigorosas as normas para emissão de certidões de autodefinição para comunidades quilombolas. Ao mesmo tempo, o órgão resgatou a portaria de 2007, do segundo governo Lula, que institui o Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos, também autodenominadas Terras de Preto, Comunidades Negras, Mocambos, Quilombos, entre outros.
Para a educadora Givânia Maria da Silva, uma das fundadoras da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), um dos desafios do governo é recompor força de trabalho e orçamento para atingir os objetivos propostos.
“Participando do governo de transição, pude ver: não se trata de uma coincidência, tratou-se de alguma coisa deliberada para que todas políticas com recorte racial fossem fortemente afetadas. Fosse da mudança da política em si, do fluxo da política, como da extinção, ou aquelas que não foram extintas foram asfixiadas em seu orçamento. Costumo dizer que foram sufocadas financeiramente, como é o caso da regularização dos territórios das comunidades quilombolas”, afirmou, em entrevista à Agência Brasil.
Givânia acredita que movimento indígena conseguiu, mais do que o movimento negro, sensibilizar a sociedade em geral. Na sua avaliação isso ocorre porque grande parte da população brasileira ainda se recusa a assumir o próprio racismo.
“Muitas pessoas que até defendem as políticas indigenistas, não é porque estão concordando efetivamente com elas, mas é porque guardam um certo remorso histórico quanto aos povos originários, indígenas. Em relação à população negra, isso não existe e tem uma razão. A luta do Brasil é para apagar as memórias da escravidão e não para que as pessoas conheçam o mal que ela causou e ainda causa. Os reflexos dessa desigualdade entre pessoas negras e não negras estão ancoradas nessa escravidão, isso é inegável”, diz. “Uma sociedade racista não combina com o pensamento democrático”.
Luka Franca, membro da coordenação estadual do Movimento Negro Unificado (MNU) São Paulo, lembra que a perspectiva que prevalece no Brasil é a de colonizadores e que isso interfere na aprovação ou reprovação de debates e leis. “A gente tem figuras que atuaram e atuam cotidianamente para ampliar políticas que a gente sabe que atuam diretamente sobre a nossa morte, como a maior liberação de armas, políticas de restrição ao direito ao aborto e um monte de outras coisas que não estão pensando no conjunto da população pobre e negra desse país”, declara.