Gestão Tarcísio planeja esplanada nos moldes de Brasília na região central de SP
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) planeja construir em Campos Elíseos, na região central da cidade de São Paulo, o novo centro administrativo do estado de SP. Com desapropriações, demolições e construções, a ideia é mudar o atual cenário da área, onde fica a cracolândia.
Do lado de dentro da porta de vidro do prédio na avenida Duque de Caxias, uma barra de ferro atravessada entre os puxadores serve de trava de segurança. "Colocamos isso aí no começo da pandemia e não tiramos mais", conta a secretária Adriana Lopes, 41, funcionária do curso supletivo que funciona trancafiado para evitar invasões de usuários de drogas.
Foi trancando a porta que as empresas que restaram no entorno do parque Princesa Isabel resistiram ao período em que a cracolândia se instalou ali. Hoje o chamado fluxo está a duas quadras, perto o suficiente para ainda gerar insegurança.
Até a antiga praça está parcialmente trancada. Recebeu grades ao ser transformada no parque que, em dias de semana, é mais desabitado do que as calçadas do entorno, onde os poucos frequentadores quase sempre são pessoas em situação de rua. Estacionamentos, hospedarias, galpões e bares esvaziados completam a paisagem.
O choque urbanístico almejado pelo governo dependerá de um estudo de viabilidade que será encomendado à Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) e que ficará pronto em seis meses. Se a ideia for considerada viável, cerca de R$ 500 milhões devem ser pagos em desapropriações de imóveis nas cercanias.
Muitas das edificações desapropriadas virão abaixo para dar lugar a 288 mil metros quadrados de escritórios de repartições públicas que abrigarão 24 mil funcionários.
Galerias, bulevares e passagens com lojas e restaurantes permitirão a livre circulação de pedestres sob os prédios numa área de 35 mil metros quadrados, retomando o conceito de quadra aberta cujo melhor exemplo paulistano é o Conjunto Nacional, na avenida Paulista.
A iniciativa privada será a responsável por erguer e, depois, administrar os mais de 320 mil metros quadrados de área construída. O estado pretende pagar pelas obras ao longo de três décadas, considerando no preço da licitação o potencial de ganho que o gestor privado terá com a exploração das áreas comerciais.
"Precisamos ter uma intervenção urbana e humana. Só urbana não resolve, só humana também não", diz o secretário de Projetos Estratégicos, Guilherme Afif Domingos. O projeto retoma uma ideia aventada quando o próprio Afif foi vice-governador de São Paulo, de 2011 a 2014. "É uma ideia que a gente quer que vingue. O que estou colocando são premissas, que deverão ser confirmadas em um estudo aprofundado, que nunca foi feito."
Se a ideia sair do papel, de tudo o que está construído na praça Princesa Isabel e no seu entorno, têm permanência garantida o Palácio dos Campos Elíseos, hoje sede do Museu das Favelas, e o gigante monumento equestre ao Duque de Caxias. O terminal de ônibus será transferido.
Em frente ao palacete, que deve servir de entrada para o prédio principal do governo -ainda não está definido se a residência do governador irá para o local-, haverá uma esplanada gramada de quase 400 metros de comprimento, ladeada pelas secretarias e outras sedes de órgãos estaduais, nos moldes da de Brasília.
"Dá para construir um tremendo 'triple-A' [prédio do mais alto padrão] estilo Faria Lima, fazendo como portal de entrada o Palácio dos Campos Elíseos. Mas não estou nem colocando essa discussão, depois dá para fazer", conta Afif.
Há, no entanto, a expectativa de que sejam mantidas no local edificações em bom estado, cujo uso é pleno e atende a funções sociais consideradas importantes para a região. Não há intenção de, por exemplo, desapropriar prédios residenciais e uma igreja evangélica que existem no local.
Com a mudança para o centro administrativo dos Campos Elíseos, o estado pretende desocupar a maior parte dos seus 56 imóveis distribuídos em diversas regiões da cidade, muitos deles no centro histórico ou em bairros valiosos para o mercado imobiliário, como Consolação e Pinheiros.
Atualmente, a gestão estadual ocupa 807 mil metros quadrados de área construída, o que dá 34 metros para cada um dos seus funcionários. Desse total, 519 mil poderiam ser alienados ou destinados a outros usos públicos. A ideia é reduzir para 12 metros quadrados de área útil por servidor, diminuindo assim custos com manutenção, limpeza e gestão dos espaços.
Estimativas, que ainda precisam ser confirmadas pelo estudo de viabilidade, apontam para um ganho de R$ 744 milhões com a venda de prédios. Na visão da gestão Tarcísio de Freitas, a conta é animadora, pois representa um ganho superior aos gastos com desapropriações.
A reocupação de imóveis que hoje pertencem ao Estado é parte da estratégia de revitalização do centro da cidade de São Paulo. Há interesse em destinar prédios em locais como a rua Boa Vista e a avenida São João para habitação, hotelaria e entretenimento. A ideia é aumentar a circulação de pessoas após o horário comercial.
Despertar o interesse do mercado imobiliário e dos paulistanos pelas áreas mais degradadas do centro da capital paulista é um desafio que atravessa gestões. Diminuir ao máximo a distribuição e o consumo de drogas na região é essencial para que um plano urbanístico para essa região funcione.
Ampliar a estrutura para internações, inclusive as compulsórias, está nos planos do governo. Uma das possibilidades em estudo é construir clínicas de reabilitação em áreas da Fundação Florestal do Estado, onde usuários em tratamento poderiam trabalhar na produção de mudas destinadas a reflorestamento.
À frente da Primeira Igreja Batista de São Paulo instalada no parque há 17 anos, o pastor Paulo Eduardo Vieira, 59, diz que parte considerável dos frequentadores da cracolândia pode ser resgatada se houver infraestrutura suficiente para o acolhimento.
É com o projeto Cristolândia, coordenado pela igreja nos arredores, que o pastor afirma ter recuperado dezenas de usuários. Ele considera, porém, que parte dos usuários precisa receber o tratamento mesmo que seja a contragosto. "Tem que ser humanizado, mas a internação compulsória é necessária para aquelas pessoas que não têm condições de decidir por si", diz.
Outro ponto sensível para a recuperação do centro é a oferta de moradias para a população pobre e de classe média.
A diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, Angélica Benatti Alvim, ressalta que a transferência da sede de governo não pode ser feita de forma isolada de ações sociais.
"É preciso fazer com que pessoas de classes sociais diferentes convivam na área central", diz Benatti. "Se fizerem uma limpeza urbana ali, vão empurrar o problema para outro lugar."
Nesse sentido, as regras de zoneamento no entorno da Princesa Isabel fortalecem o projeto de reocupação.
A região está envolta por Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social), onde há estímulos fiscais para que o mercado construa as chamadas HIS e HMP, que são as habitações de interesse social e de mercado popular.
Voltado ao público com renda familiar de até dez salários mínimos, esse tipo de imóvel, se oferecido no entorno do centro administrativo, atrairia até mesmo parte do funcionalismo público estadual. Mesclar grupos de diferentes classes de renda é também parte da estratégia para fomentar o desenvolvimento econômico do entorno.
A maior parte da área de interesse social está no lado oposto da avenida Rio Branco, onde já há alguns conjuntos habitacionais construídos.
Para dar certo, o plano depende, ao menos em parte, de interlocução com a prefeitura. Obras realizadas nas Zeis precisam, obrigatoriamente, da aprovação do conselho gestor formado por moradores e representantes da prefeitura. Segundo o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando Chucre, a prefeitura e governo estadual têm se reunido semanalmente para discutir projetos para o centro de São Paulo.
"O município vê com ótimos olhos essa ideia de tirar o palácio e uma série de edifícios administrativos que estão espalhados para a cidade e trazer para o centro, no sentido de que ajude na requalificação", disse Chucre. "A grande preocupação nossa é trazer gente para o centro."
Há quase três décadas ouvindo promessas do poder público de solução para a cracolândia, o comerciante Raimundo Campelo, 51, demonstrou descrença quando soube do novo plano para tirar a cracolândia da porta da sua loja de instrumentos musicais que, atualmente, quase só vende pela internet.
"Sem internação [para os usuários], pode vir o governo para cá, pode até vir o papa, não vai adiantar nada", diz.