Suspensão do Telegram é extrema, mas legítima, dizem especialistas
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Especialistas em direito digital consideram o bloqueio do Telegram no Brasil uma medida legítima, uma vez que a medida está prevista na legislação e só foi tomada após a empresa descumprir várias ordens judiciais.
A suspensão do aplicativo foi determinada pela Justiça Federal do Espírito Santo após um pedido da Polícia Federal, em uma investigação que envolve ataques a escolas.
A retirada de plataformas digitais do ar está prevista no Marco Civil da Internet, de 2014. Normalmente, a sanção é aplicada quando uma ordem judicial ou pedidos de autoridades não são atendidos repetidamente pela empresa.
Segundo a lei, a medida se aplica a situações urgentes, quando há risco ou dano iminente a uma pessoa ou à população. A intenção é provocar a colaboração da empresa, interessada em normalizar o serviço.
A advogada Patricia Peck, especialista em direito digital e professora da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), considera a medida extrema, mas legítima.
"É um remédio amargo, mas necessário, e deve ser usado sempre em último caso, quando já se esgotaram todas as demais vias", diz Peck. "Toda suspensão de um serviço que afete usuários sempre terá efeitos colaterais. Mas devemos como cidadãos e como pais querer usar produtos e serviços que respeitem as leis Brasileiras e colaborem com as autoridades nacionais."
O advogado Ronaldo Lemos, colunista da Folha de S.Paulo e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, afirma que outros bloqueios de serviços de mensagens no Brasil tiveram curta duração e alcance limitado. O fato de o Telegram ter sede no exterior dificulta a implementação da medida.
"Não é tecnicamente fácil fazer uma suspensão dessa magnitude", diz Lemos. "Já houve outros países que decidiram fazer essa suspensão e o Telegram usou de medidas técnicas para fazer com que o bloqueio se tornasse ineficaz. O caso notório é da própria Rússia [país dos fundadores do aplicativo e onde ele foi banido em 2018]."
Ele ressalta a gravidade do caso em que a empresa foi acionada, uma vez que envolve possíveis ataques a escolas. Para o advogado, mesmo que a empresa seja contrária à entrega de dados às autoridades, deveria primeiro cumprir as decisões judiciais e só depois questioná-las por vias legais em vez de desrespeitá-las.
Lemos vê um embate crescente entre as autoridades brasileiro e a empresa, normalmente por apologia a nazismo e promoção de discursos de ódio nos canais do aplicativo. "Estamos assistindo a uma escalada."
Procurado pela reportagem por meio do advogado que a representa no país, a empresa não se manifestou.
Na sexta-feira (21), o aplicativo de mensagens entregou à PF dados exigidos pela Justiça sobre grupos neonazistas suspeitos de estarem envolvidos em ataques a escolas.
A plataforma foi intimada a enviar os dados depois que a investigação sobre o ataque a duas escolas em Aracruz (ES) identificou que o responsável, de 16 anos, participava de grupos com conteúdos antissemita.
O caso aconteceu em novembro do ano passado, quando um adolescente entrou armado nas duas unidades -uma pública e outra particular- e matou três professoras e uma aluna de 12 anos. Após o crime, a polícia encontrou materiais com a suástica, símbolo nazista, na casa dele.