Revisores que fazem correção da redação do Enem estão sem pagamento

Por CARLOS PETROCILO E ISABELA PALHARES

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quase quatro meses após terem concluído a correção das redações do Enem 2022, mais de 3.000 revisores ainda não receberam pelo serviço prestado. Principal porta de entrada para o ensino superior, a prova, aplicada nos dias 13 e 20 de novembro do ano passado, reuniu 2,3 milhões de candidatos no país.

O pagamento aos corretores deveria ter sido feito em março. A remuneração é de responsabilidade da FGV (Fundação Getulio Vargas), que é contratada pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) para avaliar as redações dos candidatos.

Em nota, a FGV diz que a "troca de governos causou pequeno, mas incontornável, reflexo no cronograma de conclusão do processamento do Enem". A fundação não respondeu se há previsão de quando os profissionais serão pagos.

A FGV afirmou também que "o processo de correção das redações ainda não se encerrou, o resultado [da redação] encontra-se em conclusão de fase recursal" e que ainda "haverá a etapa de consolidação de dados, conferindo-se, com indispensável minúcia, o número de redações corrigidas por colaborador".

O Inep afirmou, em nota, que a responsabilidade pelo pagamento dos revisores é da FGV e que pediu uma previsão de pagamento.

"O Instituto aguarda a manifestação da aplicadora. O Inep não possui gerência sobre os valores executados pela aplicadora, de modo que a remuneração dos colaboradores é definida pela instituição contratada", afirma a autarquia do governo federal.

À reportagem os profissionais contaram que o cronograma do exame prevê que as correções ocorram em dezembro e no início de janeiro. Os corretores contam ter entregue todo o processo dentro dos prazos estabelecidos, sem prejuízo aos estudantes ou para a seleção de ingressantes nas universidades públicas do país.

No ano passado, os revisores também receberam com atraso, mas foram pagos em abril.

A FGV é responsável por coordenar todo o processo de correção das redações, desde a seleção dos profissionais até o pagamento.

Os avaliadores recebem entre R$ 3 e R$ 5 por redação corrigida, o que, em geral, pode render pagamentos que variam entre R$ 6.000 e R$ 12 mil por todo o serviço.

O professor deve analisar pelo menos cem redações por dia e, no máximo, 200. Quem não corrigir 150 textos em três dias pode ser eliminado do quadro de prestadores de serviço. Todo o processo dura, em média, três semanas, com um vínculo trabalhista temporário.

Como forma de preservar a independência dos envolvidos na correção e, ao mesmo tempo, evitar fraudes no Enem, os prestadores de serviço assinam um termo de sigilo e de confidencialidade no qual declaram estar cientes de que poderão, em caso de descumprimento, responder a processos nas esferas cível e criminal por danos causados à FGV e ao Inep.

Por esse motivo, os revisores conversaram com a reportagem somente sob condição de anonimato.

Um professor da Bahia relatou à reportagem as dificuldades em obter da FGV informações a respeito do pagamento e procurou o canal de ouvidoria do governo federal. Ele afirma que revisou cerca de 3.000 redações ao longo de 25 dias e espera receber quase R$ 13 mil. O dinheiro, segundo ele, será usado para dar sequência à construção da sua casa.

Outro revisor reclamou da falta de transparência sobre o pagamento e da desvalorização do serviço prestado. A redação do Enem tem peso importante na composição da nota final dos estudantes que usam a prova para entrar no ensino superior.

Uma professora de língua portuguesa do ensino médio de São Paulo contou que atua como revisora do Enem desde a edição de 1999. Ela afirma que nunca se deparou com um atraso superior a dois meses para receber o pagamento. A dedicação ao Enem, ela conta, já a ajudou a comprar um Fiat Uno no início dos anos 2000. Atualmente, o dinheiro é usado para saldar dívidas.

Outra professora da rede pública se diz aflita porque contava com o dinheiro das correções para quitar o financiamento de um imóvel na capital paulista.

Três corretores disseram à reportagem que o valor de R$ 3 vem sendo oferecido pelo menos desde 2010. A FGV, o Inep e o MEC (Ministério da Educação) não responderam sobre qual foi o último reajuste aplicado ao pagamento das correções.