PF aponta execuções e tortura de crianças por policiais no Amazonas
MANAUS, AM (FOLHAPRESS) - A investigação de uma chacina cometida por policiais militares no Amazonas aponta a realização de uma operação de extermínio, com execuções, vítimas metralhadas, tortura de criança e adolescente e asfixiamento com sacos plásticos.
A Polícia Federal concluiu um relatório em abril deste ano, com indiciamento do coronel da PM Louismar Bonates, ex-secretário de Segurança Pública amazonense, e do ex-comandante-geral da PM do estado Ayrton Ferreira do Norte. O primeiro foi acusado de ordenar e viabilizar a operação. O segundo, de comandá-la.
A chacina ocorreu em agosto de 2020, em comunidades ribeirinhas e indígenas na região do rio Abacaxis, entre os municípios de Nova Olinda do Norte e Borba. O governador Wilson Lima (União Brasil) estava em seu primeiro mandato. Ele foi reeleito em outubro de 2022.
As investigações da PF prosseguem para tentar individualizar as condutas de quase 130 policiais militares e civis que, conforme os investigadores, participaram da operação.
Em nota, o Governo do Amazonas afirmou que colabora com a investigação.
"A Secretaria de Segurança Pública esclarece que a operação oficial da PM foi deflagrada depois que dois PMs foram assassinados a tiros no local por traficantes que subjugavam a comunidade", disse. "Estamos colaborando com a investigação e temos certeza de que, ao final, a Justiça vai prevalecer."
O governo não respondeu se Lima avalizou a operação feita em 2020.
A Folha não conseguiu contato com o ex-secretário e com o ex-comandante indiciados. A reportagem enviou questionamentos sobre a atuação dos dois ao Governo do Amazonas e à Secretaria de Segurança Pública do estado, para saber a posição dos dois coronéis a respeito das acusações. "Os dois citados não fazem mais parte da estrutura do governo estadual", disse a administração estadual na nota.
Conforme a PF, o que ocorreu foi uma atuação típica de grupo de extermínio, com apoio institucional para ocultação dos crimes. A polícia citou a ocorrência de crime contra a humanidade na operação.
A investigação listou oito homicídios, incluídos dois jovens indígenas mundurucus e um adolescente; quatro casos de tortura que não resultaram em mortes; ocultação de corpo, e continuidade do desaparecimento de restos mortais; lesões corporais graves em três vítimas, duas delas crianças; e incêndio criminoso de três casas em uma aldeia, com destruição de documentos e bens.
Segundo a PM, a ofensiva policial teve início após um secretário da gestão estadual tentar entrar em terra protegida da União, sem autorização, para pesca esportiva. Esse integrante do governo local alegou ter sido atingido por um disparo de arma de fogo e afirmou, segundo testemunhas citadas pela PF, que voltaria armado ao local.
Na sequência, um grupo de policiais foi à região, sem uniformes e sem mandados de busca ou de prisão, conforme a PF. Dois policiais foram baleados e morreram, e outros dois ficaram feridos.
A PM do Amazonas, então, desencadeou uma ação nas comunidades com o propósito oficial de combate ao tráfico de drogas. Porém o que houve, de acordo com a PF, foi uma ação de extermínio motivada por vingança, com anuência e organização de integrantes da cúpula da segurança pública do governo do estado.
Os crimes apontados pela PF são homicídio qualificado, tortura, lesão corporal, roubo, ameaça, invasão de domicílio, incêndio criminoso, abuso de autoridade e associação criminosa.
Segundo investigadores federais que assumiram o caso após a chacina, houve incursão de policiais em uma terra indígena -eles estavam numa lancha da Polícia Militar Ambiental do Amazonas, conforme as investigações- e execução de dois indígenas mundurucus numa emboscada, movida apenas por vingança.
Não houve possibilidade de resistência, segundo a PF. Não havia histórico de crime ou violência por parte dos indígenas, como apontaram os policiais.
A investigação apontou ainda que houve tentativa de ocultação de corpo e decapitação de um deles. Todos os policiais que estavam na lancha participaram dos crimes, conforme a PF.
Um adolescente foi torturado com perfurações de faca, na frente dos pais, disse a PF, e houve tentativa de decapitação e amarração de pedras nos tornozelos para afundamento do corpo. Os três foram executados.
A PF apontou ainda que vítimas foram metralhadas de cima para baixo e que algumas apresentavam cortes profundos no abdome, com o propósito de facilitar o ataque de peixes aos corpos e o consequente desaparecimento de restos mortais. Ainda há corpos não localizados, conforme a investigação.
Investigadores federais descreveram diversas formas de tortura na chacina. Uma criança foi prensada por um freezer e confinada dentro, segundo a PF. Outras foram baleadas, o que ocasionou fraturas em uma das mãos, conforme a investigação.
Também foram relatados na apuração o arremesso de combustível em vítimas, com ameaça de atear fogo, socos na costela, e asfixiamento com sacos plásticos. O objetivo dos policiais, conforme a PF, era chegar até a pessoa que eles entendiam como responsável pela morte de dois PMs.
Policiais que participaram da operação nas comunidades cobriram o rosto com balaclavas e não carregavam identificação, segundo a PF, que apontou a necessidade de inclusão de testemunhas num programa de proteção, sem vinculação ao Governo do Amazonas.