Empresa de mulher de PM oferece segurança privada na cracolândia, dizem moradores e comerciantes

Por MARIANA ZYLBERKAN E CLAYTON CASTELANI

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Moradores e comerciantes de ruas localizadas no entorno da cracolândia, na região central de São Paulo, dizem ter sido abordados por dois policiais militares que ofereceram orçamento de uma empresa de segurança.

A oferta do serviço de vigilância 24 horas teria sido feita pelo soldado Willian Machado Martins e pelo cabo Alex Marinho Nogueira em reuniões agendadas com síndicos e comerciantes. Foi criado também um grupo de mensagens de texto em que os valores são negociados com os agentes.

Martins negou ter cometido irregularidades. Nogueira afirmou que não iria comentar o assunto. A SSP (Secretaria de Segurança Pública) investiga o caso.

O sobrenome e o respectivo número de telefone celular dos dois oficiais aparecem como informações de contato na proposta comercial. A empresa está registrada como prestadora de serviços de apoio a edifícios, limpeza e monitoramento de segurança eletrônico. Procurado, o agente Martins afirmou que a mulher estava com problemas psicológicos e, por isso, colocou seu número de contato na proposta de serviço.

Um comerciante, o morador de um condomínio e um síndico confirmaram terem participado das negociações com os policiais.

Além de vigilantes e rondas com veículos próprios, os policiais teriam garantido prioridade e atendimento imediato do efetivo da PM diante de qualquer tipo de ocorrência, segundo relatos de moradores.

A Folha teve acesso a uma proposta feita a quatro condomínios e cinco estabelecimentos comerciais no fim de maio. Os valores mensais cobrados dos estabelecimentos residenciais e comerciais podem chegar a até R$ 5.000.

O orçamento foi formalizado por meio de documento em papel timbrado pela empresa N&M Facilities, registrada em dezembro de 2021 no nome de Gleyce Rodrigues Borborema, casada com o soldado Martins.

Na oferta de serviço a que a Folha teve acesso não consta o nome de nenhum cliente específico, porém foi orçado um valor de aproximadamente R$ 20 mil para a contratação de oito seguranças sete dias por semana alternados nos períodos diurno e noturno.

Outros serviços, como rondas de vigias com rádios, foram oferecidos como cortesia. "Os colaboradores permanecerão em locais estratégicos, minimizando os riscos e guarnecendo os pontos vulneráveis existentes nas dependências da contratante", diz trecho do orçamento.

O soldado Martins disse à Folha que não tem vínculo e que não trabalha para a N&M Facilities. Ele afirmou ainda que a empresa pertence à mulher dele e que o serviço prestado é de portaria e limpeza, não de segurança.

Em relação aos relatos de moradores sobre terem recebido o orçamento do policial, o soldado disse que apenas entregou o documento a pedido da mulher.

"A proposta foi entregue porque minha esposa está sem condições psicológicas de entregar e eu só fui entregar e, talvez, a pessoa que imprimiu colocou o meu telefone de contato, o meu telefone particular", afirmou.

O policial ainda reforçou que ele não atua na área da cracolândia. "A empresa que a minha esposa tem é prestadora de serviço, onde ela presta serviço é emitido nota, certinho, tem contrato bonitinho", disse Martins. "Eu não sou sócio da empresa. Eu não tenho participação em nenhuma, não tem meu nome na empresa, na razão social ou na Jucesp. Não uso farda, não trabalho na região do centro, não tenho nada a ver com isso, cara, e, cara, isso tá me trazendo um transtorno", continuou.

O cabo Nogueira também foi procurado pela reportagem, mas não quis comentar o assunto.

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que está em andamento uma sindicância para apurar os fatos. Caso a denúncia seja confirmada, segundo a pasta, os policiais irão responder por transgressão disciplinar grave. "A PM não tolera desvios de conduta e reforça que todas as denúncias são rigorosamente investigadas", informou a corporação.

Segundo a lei que disciplina a Polícia Militar, é considerada falta grave "utilizar-se da condição de militar do Estado para obter facilidades pessoais de qualquer natureza ou para encaminhar negócios particulares ou de terceiros".

O vice-presidente da Federação Nacional das Empresas de Vigilância e Transporte de Valores (Fenavist), Ivan Hermano Filho, explica que policiais militares podem ser sócios de empresas, mas não gerenciar ou atuar diretamente. "Se está oferecendo o serviço de segurança privada, está em desacordo com a lei", diz.

A mesma explicação foi dada pelo consultor em segurança José Vicente da Silva. "O policial militar trabalhar para uma empresa de segurança cria uma situação de extorsão e é passível de ser investigado pela corregedoria."

Na frente dos estabelecimentos que contrataram a N&M Facilities foi instalado um guarda-sol preto com a logomarca da empresa e vigilantes uniformizados da mesma maneira.

A contratação da empresa tem dividido moradores e comerciantes. Os que defendem o pagamento à empresa dizem que essa é a única alternativa para barrar a violência crescente no centro, que tem afastado clientes e mudado a rotina de quem mora na região. Quem é contrário critica a possibilidade de formação de uma milícia no coração de São Paulo.

Em um dos condomínios onde a proposta de segurança privada foi oferecida, a discussão foi formalizada em forma de votação entre os moradores. Uma assembleia para tratar do assunto foi marcada.

Os locais escolhidos para a oferta dos serviços ficam nas ruas do centro mais afetadas pela presença de usuários de drogas desde quando a cracolândia deixou o entorno da praça Júlio Prestes e se espalhou por vias nos bairros de Santa Cecília e Santa Ifigênia.

O entorno da cracolândia está entre os pontos da cidade que lideram a alta de furtos e roubos na região.

Há também a gangue da bicicleta que atua principalmente a noite para furtar celulares de clientes de bares, restaurantes e hotéis no centro.

Reportagem da Folha mostrou que criminosos responsáveis pela distribuição de drogas na cracolândia estão cobrando pagamentos mensais para retirar o fluxo de dependentes químicos da porta dos estabelecimentos e de residências na região.

No último dia 7, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que a Controladoria-Geral do Município encaminhou ao Ministério Público um pedido de prisão de guardas municipais suspeitos de cobrar taxas de segurança de moradores e comerciantes da região central.

Os agentes foram afastados após reportagem da TV Band revelar um possível esquema de corrupção que cobraria taxas para fornecer segurança a comerciantes da região. De acordo com a prefeitura, as investigações seguem em sigilo.

No último dia 1º, o vice-governador Felício Ramuth (PSD), em entrevista à rádio BandNews, declarou a abertura de uma investigação para apurar o envolvimento de policiais militares, civis e agentes da GCM em esquemas de cobrança por segurança privada na região central -o caso não têm ligação com os policiais citados nesta reportagem. Procurado, o vice-governador não atendeu ao pedido para comentar o assunto.