Metade das doações de campanha a vereadores de São Paulo foram do setor imobiliário
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quase metade das doações feitas para os atuais vereadores de São Paulo durante a campanha eleitoral de 2020 foi de pessoas ligadas ao setor imobiliário.
No total, 150 executivos e empresários da área doaram R$ 2,8 milhões dos R$ 6,1 milhões recebidos pelos parlamentares para o pleito -ou seja, 46% do total arrecadado.
Os números levam em conta somente doações feitas por pessoas físicas, não incluem repasses dos partidos para as campanhas, a verba proveniente do fundo eleitoral e o dinheiro do próprio do candidato.
Os vereadores que foram contemplados afirmaram que não atendem aos interesses do setor imobiliário. O assunto ganhou importância porque a Câmara discute atualmente a revisão do Plano Diretor Estratégico, lei que define as regras que vão orientar o planejamento urbano da cidade pelos próximos anos.
Dos 55 vereadores atuais, 26 receberam verba de pessoas que atuam no mercado imobiliário, de acordo com o levantamento da Folha feito a partir de informações do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A reportagem analisou dados das 670 doações feitas aos atuais integrantes da Câmara Municipal e chegou a 177 repasses realizados por sócios de construtoras, administradora de bens, incorporadoras e demais empreendimentos imobiliários.
Não existe nenhuma proibição que pessoas ligadas ao setor façam as doações -historicamente, o segmento está entre os que mais financiam candidatos e partidos.
Para o cientista político e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Eduardo José Grin, os empresários que doaram esperam ter influência nas decisões posteriores do Legislativo. "Se [o vereador] não vota a favor dos interesses de quem o financiou, ele provavelmente terá um custo político e pode ocasionar na perda do apoio em futura campanha. Quem paga na entrada, quer resultado na saída", diz.
O cientista político Thiago Fonseca, também da FGV, afirma que os representantes dessas empresas pensam como eleitores comuns, que decidem apoiar um candidato após calcularem se os próprios interesses serão atendidos.
"Há evidências de que quando as doações por pessoas jurídicas eram permitidas [até 2015], empresas foram beneficiadas pelos políticos por meio de legislações", diz.
Quase todos os vereadores reiteraram que as doações são legais e foram declaradas à Justiça Eleitoral.
"Não há ilegalidade. Se for assim, o [Cristiano] Zanin não pode ser ministro do STF, porque tem interesse [do presidente Lula]. Não pode o vereador agir de ofício para beneficiar dono de terreno, não vi isso", afirma o presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil).
Ele destaca ainda que ninguém é obrigado a doar para campanhas. "Os [políticos] de esquerda recebem doação de salário de funcionários. Já o setor imobiliário pode apoiar quem defende proposta liberal, mais propriedades para construção, mais ofertas de lotes e de estacionamento", afirma. Leite não recebeu doações do setor imobiliário em 2020.
No primeiro turno na Câmara, 19 dos 26 vereadores que receberam doações do setor imobiliário votaram a favor do novo texto do Plano Diretor. Como mostrou a Folha, o projeto absorveu 18 de 26 propostas feitas por associação de incorporadoras. O segundo turno está previsto para acontecer na próxima segunda (26).
"Não faz nenhum sentido vincular o processo eleitoral de três anos atrás [campanha de 2020] a este momento democrático, transparente e participativo da Câmara na revisão do Plano Diretor", afirma o vereador Rodrigo Goulart (PSD), relator do projeto.
Em sua campanha, ele recebeu R$ 118 mil de pessoas ligadas ao setor.
Já Rubinho Nunes (União), presidente da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente e que conduz os debates sobre a revisão do plano, recebeu R$ 155 mil. Em entrevista à Folha, em fevereiro, ele já havia dito que a revisão iria "atender setores do mercado, a classe média de São Paulo e outros setores que geram emprego e renda".
Rubinho diz que contabilizou tais doações como membro do movimento Renova BR, que forma novos quadros na política. "Esses doadores buscam apoiar candidatos com perfis inovadores", afirma o vereador em nota.
"Considero esse tipo de ilação algo vil, são doações lícitas. Por outro lado, ninguém questiona a ligação espúria entre grupos criminosos de invasão e roubo de propriedade com parlamentares de esquerda contrários à revisão", afirma.
A vereadora Janaína Lima (que era do Novo em 2020 e hoje está no MDB) foi a que mais recebeu do setor imobiliário, com R$ 716 mil -76% de todas as doações de pessoas físicas a ela.
A assessoria da parlamentar disse que "as iniciativas tomadas pelo seu mandato ocorrem de forma independente e sem qualquer tipo de influência de doadores de qualquer setor".
Atrás de Janaína, Xexéu Tripoli (PSDB) e Cris Monteiro (Novo) arrecadaram, respectivamente, R$ 264 mil e R$ 201 mil cada.
Líder da base do prefeito Ricardo Nunes (MDB) na Câmara, Fábio Riva (PSDB) obteve R$ 190 mil, sendo R$ 140 mil doados por José Isaac Peres, dono da Multiplan, gigante dos shoppings center no país. Procurada, a empresa não quis se pronunciar. "Meu mandato sempre estará alinhado aos interesses da população, especialmente para aqueles que não tem casa", afirmou Riva.
Outro recordista entre os tucanos foi João Jorge, que recebeu R$ 184 mil do setor. Desse total, R$ 150 mil foram depositados pelo empresário Wilson de Almeida Júnior, dono da Gold Land Empreendimentos Imobiliários.
Almeida Júnior diz que a sua empresa não realiza nenhuma obra em São Paulo, mas, como ele tem amigos no PSDB, pode ter atendido a algum pedido de ajuda. O empresário não quis conceder entrevista.
Jorge, que está em seu segundo mandato e tem como bandeira a mobilidade urbana, não atendeu a reportagem.
Entre os maiores doadores, depois de Peres e Almeida Júnior, vem Carlos Jereissati, da Market Place Participações e Empreendimentos Imobiliários e do Iguatemi. Ele transferiu R$ 100 mil ao vereador Xexéu Tripoli e outros R$ 25 mil para Janaína.
O empresário não quis se manifestar, e a assessoria de Xexéu afirma que a sua atuação na Câmara tem sido marcada pela independência e coerência. Já Monteiro diz que os valores que recebeu foram dados por amigos e por pessoas que acreditam em suas ideias.
Já o vereador Adilson Amadeu (União Brasil) foi beneficiado com R$ 25 mil recebidos de duas pessoas do ramo. "Um deles é meu amigo de longa data. Já o outro é da comunidade armênia, com quem possuo fortes laços, desde meu primeiro mandato", afirma.
Como mostrou o Painel, Amadeu enviou mensagem de WhatsApp à diretoria do Secovi-SP (sindicato das construtoras em São Paulo) cobrando uma "contrapartida" para ajudar na reeleição do prefeito, Ricardo Nunes (MDB), pela proposta de revisão do Plano Diretor da cidade.
O vereador disse que agiu por iniciativa própria, e Nunes afirmou que desconhecia o pedido do parlamentar.
Principal partido a votar contra o Plano Diretor no primeiro turno, o Psol também recebeu recursos de pessoas ligadas ao setor imobiliário: Elaine Mineiro recebeu R$ 52,5 mil, enquanto Toninho Vespoli recebeu R$ 10 mil. Ambos dizem que a aproximação com os doadores nasceu por afinidades partidárias e ideológicas.