Cientistas sugerem lago no Canadá como marca do começo do Antropoceno, a época dos humanos
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Cientistas sugerem que o lago Crawford, no Canadá, seja considerado o ponto que marca o começo do Antropoceno, a época dos humanos. O local, defende grupo de pesquisadores, reúne características que fazem dele um ponto de referência para o entendimento da nova era geológica proposta, caracterizada por mudanças no planeta causadas pela atividade humana.
O ano-chave seria 1952, quando análises no solo do lago registraram traços de testes nucleares, além de alta atividade industrial.
O anúncio do local sugerido como o "golden spike", na expressão usada por geólogos, foi feito nesta terça-feira (11) por pesquisadores do AWG (sigla em inglês para Grupo de Trabalho do Antropoceno). A conferência, conjunta com a Sociedade Max Planck, ocorre nesta tarde em Berlim.
Para se tornar o marco do Antropoceno, porém, o lago na província de Ontário ainda precisa passar por três votações de outras instituições científicas, com pelo menos 60% de aprovação.
Definir o Antropoceno é medir a profundidade e a extensão da atividade humana no planeta. O tema tem ganhado repercussão junto com os debates sobre mudanças climáticas e transição energética.
Os cientistas ressaltam que o papel desse marco é produzir a evidência que mostra uma mudança do Holoceno, nossa atual época geológica, iniciada há cerca de 11,7 mil anos, para a época dos humanos.
Além do significado científico dessa virada de época geológica, a definição tem uma dimensão simbólica sobre os rumos da humanidade, por colocar no centro do debate os danos causados na Terra.
A sugestão do lago Crawford, localizado dentro de uma área de conservação homônima, é resultado de mais de uma década de trabalho de diversos grupos de cientistas, o AWG entre eles, que pesquisou e debateu 12 locais de diferentes partes do mundo, como recifes de coral na Austrália, gelo da Antártida e uma caverna na Itália. A ideia era buscar qual seria o ponto de referência perfeito para comparar as partículas guardadas.
Localizado na cidade de Milton, na província de Ontário, o lago Crawford é do tipo meromítico. Isso significa que suas camadas de água não se misturam. Foi da região mais profunda, a cerca de 24 metros da superfície, que os cientistas coletaram amostras de solo.
Os sedimentos contidos nas camadas do fundo do lago funcionam como um arquivo de atividades de antigas comunidades indígenas, colonizadores, de indústrias e de testes nucleares.
Os testes realizados nas amostras do solo do lago levaram à escolha do ano de 1952 como marco para o começo do Antropoceno ?termo cunhado pelo biólogo Eugene Stoermer e pelo químico vencedor do Nobel Paul Crutzen em 2000. Além da alta atividade industrial e de consumo em escala global percebido no período, os experimentos com bombas nucleares espalharam plutônio, elemento que não ocorre facilmente na natureza.
Outros elementos também se dispersaram pela atmosfera e foram depositados no fundo do Atlântico Sul, em Caravelas, na Bahia. Foi ali que pesquisadores retiraram uma amostra de 80 cm de comprimento, que revelou concentrações de Césio-137.
A coleta e as análises estão registradas no documentário "A Era dos Humanos", que estreia nos cinemas em setembro e na plataforma Globoplay em outubro. A produção, apresentada pelo ator Marcos Palmeira, relaciona os achados com episódios de degradação ambiental, como queimadas, desmatamento e garimpo.
A pesquisa registrada no filme é conduzida por Rubens Figueira, especialista do Instituto Oceanográfico da USP. "As mesmas medições feitas no Canadá foram feitas aqui em Caravelas com o Rubens, e isso mostra o quanto esse assunto está próximo de nós", afirma Iara Cardoso, diretora e roteirista do documentário.