Lélia Salgado é premiada por restauro da mata atlântica em projeto com o marido, Sebastião Salgado

Por GIULIANA MIRANDA

LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - A ambientalista Lélia Wanick Salgado, que há 25 anos se dedica ao reflorestamento e à recuperação de ecossistemas na mata atlântica, foi uma das vencedoras do prêmio Gulbenkian para a Humanidade. O resultado da láurea, que paga de 1 milhão de euros (R$ 5,3 milhões), foi anunciado na tarde desta quarta-feira (19) em Lisboa em uma cerimônia com a presença da ex-chanceler alemã Angela Merkel, presidente do júri.

Lélia criou junto com o marido, o fotógrafo Sebastião Salgado, o Instituto Terra em 1998. A organização se dedica a restaurar áreas degradadas de floresta e a promover o desenvolvimento rural sustentável no vale do Rio Doce, região que abrange municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo.

O Instituto Terra começou a funcionar na fazenda Bulcão, propriedade da família de Sebastião Salgado em Minas Gerais. A inspiração para para o projeto aconteceu após o casal vivenciar uma grande inundação, seguida de deslizamentos, intensificados por conta da degradação ambiental no local.

"É uma área montanhosa e a chuva realmente fez um estrago enorme. A água veio e trouxe a terra toda para baixo, fazendo erosões e buracos enormes. Nós vimos aquilo e foi uma tristeza profunda", relembra a ambientalista.

"Foi ali, naquela hora, que realmente me veio uma ideia: vamos montar uma floresta. Tudo o que a gente poderia fazer ali era plantar árvores para recuperar tudo. O Sebastião adorou a ideia e foi assim que começou a história do instituto."

A área estava bastante degrada e o diagnóstico inicial da dimensão da recuperação, que previa o plantio de mais de dois milhões de mudas, foi bastante desafiador, segundo a ambientalista. "Nós nos perguntávamos como é que iríamos fazer isso", afirma.

Na época, as referências para a realização do trabalho de recuperação da floresta, incluindo o processo de seleção de plantas nativas e do plantio de forma adequada eram mais escassas, o que trouxe dificuldades adicionais à iniciativa.

Cerca de 60% do lote inicial de 50 mil mudas acabou não se desenvolvendo após o plantio. "Foi uma grande tristeza quando essas plantas morreram. Isso aconteceu porque era uma terra realmente muito degradada, muito dura. Fizemos covas pouco fundas e, para completar, ainda não choveu", conta a ambientalista.

As dificuldades, porém, não desmotivaram o casal, que passou a aprimorar as técnicas e as épocas de plantio.

Mais de duas décadas depois, a meta de árvores plantadas já foi superada e a experiência do instituto na produção de mudas e na seleção de espécies se tornou referência para o bioma, ajudando também outras iniciativas de reflorestamento. "Já plantamos quase 3 milhões de árvores", entusiasma-se Lélia.

A recuperação da mata nativa promoveu também a volta dos animais, com com mais de 170 espécies de pássaros, 33 de mamíferos, 15 de anfíbios e outras 15 de répteis já identificadas no instituto, antes uma área severamente degradada e hostil para a fauna local.

Agora, uma das principais iniciativas da organização é a recuperação das nascentes da bacia hidrográfica do Rio Doce. Batizada como programa Olhos D?Água, a iniciativa tem a ambiciosa meta recuperar mais de 300 mil nascentes de afluentes.

As nascentes recuperadas já devolveram correntes de água a diversas regiões que antes enfrentavam a seca e a escassez hídrica.

"É um projeto para 30, para 40 anos. Já fizemos um piloto, que deu muito certo hoje. Já faz mais de cinco anos que começamos e hoje já temos propriedades rurais que têm água, mas que não tinham antigamente", revela.

Como muitas das nascentes estão em propriedades privadas, o instituto desenvolve um trabalho de apoio aos proprietários. Além de cercar a área envolvente, a organização também garante o plantio de espécies nativas para a mata ciliar.

Além da satisfação com o reconhecimento internacional de seu trabalho, Lélia Salgado comemorou também o prêmio de 1 milhão de euros, a ser dividido entre os três vencedores. Ela diz já ter planos para a verba. "Foi a primeira coisa que eu pensei. Fundos financeiros são tão difíceis. A gente correu muito atrás para ter os fundos para fazer o instituto, porque é tudo tão caro".

O valor recebido será investido em para um fundo de capital próprio para a sustentabilidade do instituto. "É um fundo para termos capital na hora da necessidade, para a perenidade do instituto, para garantir que ele possa continuar existindo e trabalhando mesmo na hora das dificuldades."

Formada em arquitetura e planejamento urbano em Paris, onde se exilou junto com o marido durante a ditadura militar brasileira, Lélia começou a se interessar pela fotografia em 1970.

A partir da década de 1980, começou a trabalhar também na concepção e design da maioria dos livros fotográficos de Sebastião Salgado, seu marido, e de todas as suas exposições. Declaradamente apaixonada pela natureza, a ativista também acompanhou o fotógrafo em diversas expedições pelo mundo.

Além de Lélia, também foram contemplados com o prêmio Gulbenkian para a Humanidade, um dos mais bem pagos no mundo para o ativismo ambiental, Bandi "Apai Janggut", líder da comunidade indígena Dayak Iban Sungai Utik, na Indonésia, e a ativista e agrônoma Cécile Bibiane Ndjebet, de Camarões.

O trio foi escolhido entre de entre 143 indicados, oriundos de 55 países.

"O júri escolheu estas três personalidades como forma de reconhecer um trabalho de grande transformação no Sul Global, levado a cabo por comunidades que, apesar de serem as mais afetadas pelas alterações climáticas, foram as que menos contribuíram para as causar", disse Angela Merkel, presidente do corpo de jurados.

"Acreditamos que os vencedores do vão continuar a inspirar outros e a desencadear futuras iniciativas climáticas positivas, em todo o mundo."

Esta foi a quarta edição do prêmio, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian, instituição filantrópica portuguesa que promove as artes, ciência e a cultura. Em 2020, a primeira vencedora foi a jovem ativista sueca Greta Thunberg.