Entenda ponto a ponto como foi o assassinato de Marielle, segundo delação

Por FABIO SERAPIÃO

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ex-policial militar Élcio Queiroz, que assumiu ter dirigido o carro usado para a matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, em 14 de março de 2018, afirma que no momento do assassinato só escutou a rajada de tiros e sentiu as cápsulas caindo na sua cabeça e no seu pescoço.

O relato está no depoimento de Élcio em sua delação premiada sobre o caso, feita a delegados da Polícia Federal e a promotores de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro.

No depoimento, Élcio conta sua versão de como se envolveu no assassinato de Marielle e sobre a participação de outras pessoas, especialmente do também ex-PM Ronnie Lessa, que é acusado de ter feito os disparos contra a vereadora.

Os dois eram amigos e se conhecem há cerca de 30 anos. Também é suspeito de participar da preparação o ex-bombeiro Maxwell Corrêa, preso nesta segunda-feira (24). O delator disse que quem havia convidado Lessa para participar do assassinato foi o policial militar Edmilson Macalé, morto a tiros em 2021 na zona oeste do Rio.

Veja o passo a passo do crime, segundo a versão do delator Élcio Queiroz.

ANTECEDENTES

Em 31 de dezembro de 2017, Élcio Queiroz passou a virada do ano junto com Lessa, e essa foi a primeira vez que eles discutiram a respeito do caso Marielle, segundo a delação.

Queiroz disse que ambos estavam bêbados e que Lessa teria afirmado, em tom de desabafo, que estava chateado com um trabalho que tinha uma mulher como alvo, e que houve uma primeira tentativa de assassinado que foi frustrada porque Maxwell, que dirigia o carro, "refugou".

"Ronnie desabafou comigo, dizendo que não acreditava que teve problema, que foi medo, refugou", afirmou Queiroz.

Segundo o ex-PM, no último trimestre de 2017 já havia "monitoramento do alvo" por parte dos suspeitos, mas não envolvia a sua participação.

O DIA DO ASSASSINATO

Em 14 de março de 2018, Élcio afirma que estava em trabalhando como segurança particular, e às 12h recebeu uma mensagem de Ronnie Lessa pelo aplicativo Confide, conhecido por apagar as mensagens imediatamente após a leitura.

Lessa, segundo o delator, perguntou onde ele estava e quando seria liberado do trabalho e avisou que precisava dele para dirigir um veículo.

"Aí eu falei, mas qual foi, pra que é? Aí eu recebi uma imagem pelo aplicativo", disse Lessa no depoimento, acrescentando que como resposta recebeu uma foto de várias mulheres reunidas. "Depois eu soube que era um evento da Casa das Pretas."

Às 14h, Élcio saiu do trabalho e mandou uma mensagem para Lessa, segundo o relato. Tomou banho, almoçou e disse para a esposa que iria ver o jogo de Flamengo e Emelec na Libertadores. Às 16h, ele saiu de casa e foi até o condomínio Vivendas da Barra, na zona oeste, onde Lessa morava.

Ao chegar na casa de Lessa, diz Élcio, ele já estava em pé e de calças, o que era estranho, porque "ele anda de bermuda pra tudo que é lugar". "Ele falou, vamos embora, deixa seu carro ali. Aí entrei já no carro dele, ele botou a bolsa e saímos", afirma. Élcio pediu para que Lessa desligasse o telefone celular.

A CAMPANA

Eles pararam próximo ao local da Casa das Pretas, na Lapa (zona central do Rio). Lessa já sabia onde podia parar e onde havia câmeras, relata o delator.

"Não tinha lugar [de estacionar] e ele falou, dá mais uma volta; aí ele achou até que já tinha extrapolado o horário [do evento]", afirma.

Ao parar, Lessa deixou o banco totalmente na horizontal para passar para o assento traseiro.

"No momento que eu estou ajustando o banco, que eu olho para o retrovisor, ele já estava colocando o casaco, tipo que se equipando, vamos dizer assim, se preparando", diz Élcio. "Botou o casaco, daqui a pouco ele tira a metralhadora, no caso a arma do crime. Coloca o silenciador, e ele nesse momento, até uma coisa assim que eu não esperava, ele pegou um binóculo."

Élcio reclamou depois de um tempo que estava abafado, já que o carro estava com janelas fechadas. Lessa respondeu que, se não tivesse jeito, que ele ligasse o ar-condicionado. Logo depois, ainda de acordo com o relato, Lessa viu uma movimentação e pediu para Élcio ligar o carro, sem acionar a lanterna.

Mesmo assim, o painel dianteiro acendeu. Ao perceber a luminosidade, Lessa jogou para ele uma touca ninja para tapar a claridade. Essa foi a luz que, suspeitava-se, seria de um aparelho de telefone celular.

MARIELLE APARECE

"O motorista dela [Anderson] já estava em pé ali com o telefone na mão e tal, e nisso ele [Lessa] tá no banco de trás, já com o telefone verificando [em aplicativo] se teria algum obstáculo na frente, alguma operação da Polícia Militar", disse Élcio.

Quando ela saiu do local, Lessa identificou Marielle, que entrou no carro, e eles passaram a segui-la. Em determinado momento, ela chegou a descer em um bar, mas voltou ao automóvel.

OS TIROS

No bairro do Estácio, ainda no centro do Rio, o carro parou para esperar um outro veículo passar e, de acordo com Élcio, Lessa disse: "É agora, emparelha". Élcio parou o carro com a sua janela em paralelo à janela do assento frontal do carro em que estavam Marielle e Anderson. Lessa usava a touca ninja.

"Ele já estava com o vidro aberto e eu só escutei a rajada", disse, no depoimento. "Da rajada, começou a cair umas cápsulas na minha cabeça e no meu pescoço. Quem pensa que é silencioso... mas faz um barulho danado, não tinha nem noção. Quem pensa que é pouco barulho... mas é muito barulho. Caíram as cápsulas em mim e ele falou 'vambora'; e eu nem vi se acertou quem, se não acertou."

A FUGA

Élcio diz que Lessa tirou o silenciador da metralhadora, trocou o carregador e colocou um cheio e disse que, naquele momento, se alguém viesse roubar os dois teriam que "fazer barulho".

Com ajuda de Élcio, Lessa passou para o assento da frente e ajeitou o recosto. Eles foram até a casa do irmão de Lessa e, de lá, ele pediu um táxi e Lessa deixou a sua bolsa.

CONVERSA NO BAR E DINHEIRO

Élcio relata que eles chegaram no condomínio, ativaram o celular, pegaram o carro e foram até um bar, onde encontraram Maxwell e a esposa dele.

"A primeira coisa que fez, foi o Maxwell vir na direção do Ronnie já dizendo que sabia que eram vocês", contou. Enquanto isso, aparecia na televisão do bar que houve o homicídio de uma vereadora. "Até que falou, morreram duas pessoas no local e tal. Eu falei: que merda."

O delator afirma que Maxwell e Ronnie Lessa foram conversar em reservado e que ele continuou bebendo e vomitou umas três vezes. Eles voltaram para o condomínio de Ronnie Lessa.

"Ele falou -nunca me esqueço disso- 'cara, tu tá duro?' Tô... mas qual foi, o que é? Ele falou: 'vou te dar isso aqui cara, segura isso aqui... mas não é por causa disso não hein... Não tem nada a ver com o crime não'; e me deu R$ 1.000", afirmou o delator.

O DIA SEGUINTE

No outro dia, o dilema deles era como trocariam a placa do carro que usaram no crime. Foram a um posto de gasolina e ficaram discutindo para onde levariam o carro. Acabaram levando o carro para a garagem do próprio Élcio, onde não havia câmera.

Ele pegou uma chave de fenda, fizeram uma varredura no carro para ver se havia alguma cápsula das armas e eles cortaram a placa antiga em picadinhos. Colocaram em um saco plástico e espalharam os pedaços em terreno próximo a linhas de trem.

O carro Volkswagen Cobalt teria sido eliminado em um desmanche.

DESCARTE DA ARMA

Élcio Queiroz foi questionado pelos investigadores se conhecia uma pessoa com a alcunha "Gato do Mato" e se teria ouvido de Lessa que essa pessoa teria ficado com a arma do crime, uma submetralhadora MP5. Ele respondeu que conhece "Gato do Mato", cujo nome seria João Paulo, mas que não sabe dizer se ele ficou com a arma, pois as conversas de Lessa e "Gato do Mato" ficavam somente entre os dois.

Élcio disse ainda ter ouvido de Lessa que a arma havia sido destruída e jogada ao mar, mas que ele não acredita nessa versão.