Vale recorre de decisão que protege paleotoca em BH que teria marcas de preguiça-gigante
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A mineradora Vale decidiu recorrer da decisão de proteção de uma área contendo uma paleotoca de pelo menos 10 mil anos na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais.
Conhecida por ser um sítio paleontológico (com restos de animais que viveram no passado) e espeleológico (pela importância das cavernas para a região), a Paleotoca Caeté apresentava túneis, salões escavados e marcas nas paredes compatíveis com preguiças-gigantes de dois dedos.
A paleotoca fica na região da serra do Gandarela, próximo ao parque nacional, e tem 340 metros. A cavidade está a cerca de 40 quilômetros de BH, dentro de propriedade da mineradora Vale. A própria empresa fez a divulgação desta e de outros sítios espeleológicos da região na última semana.
De acordo com decisão da juíza da 2ª vara de Caeté Grazziela Maria de Queiroz Peixoto, do dia 13 de junho, a área necessita de proteção integral por ser "evidenciada a existência de registro da megafauna extinta no Quadrilátero Ferrífero", tornando-se assim necessárias medidas "visando a geoconservação, impedir o dano útil e o risco à integridade do bem cultural".
Segundo a Vale, um estudo de licenciamento chamado Projeto Apolo, da mineradora, confirmou o local como sendo de abrigo, reprodução e alimento para animais extintos. Foi verificada a presença de marcas das unhas de uma preguiça com dois dedos (possivelmente preguiça-gigante), garantindo assim a caracterização como uma paleotoca.
No mesmo estudo, observou-se a existência de outras 69 cavidades. A determinação da idade exata do local pode ajudar a identificar quais animais eventualmente usaram as cavernas como abrigo.
De acordo com o TJMG (Tribunal da Justiça de Minas Gerais), a mineradora apresentou embargos declaratórios e pediu o efeito suspensivo das determinações judiciais. O Ministério Público de Minas Gerais) disse que está elaborando resposta ao recurso da Vale.
Em nota, a empresa afirmou ter entrado com recurso para esclarecer pontos da decisão e que a paleotoca está preservada e sob seus cuidados desde 2010. "Hoje, são cerca de 40 hectares protegidos no entorno da cavidade, mais que o dobro que determina a legislação."
A reportagem perguntou ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) quais seriam as medidas protetoras para o sítio em questão, mas o órgão não respondeu até a publicação deste texto.
A Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento disse que a paleotoca já é de conhecimento da comunidade científica e do órgão ambiental há bastante tempo e "que as cavidades são protegidas conforme a sua classificação de 'relevância', por meio de critérios objetivos determinados pelas normativas federais do Ibama/Cecav".
"Dessa forma, aquelas classificadas como de 'máxima relevância' são protegidas legalmente e não podem ser objetos de impactos irreversíveis, como os provenientes de empreendimentos, mineração, barragens, estradas e outros", afirmou, em nota.
"É importante considerar que podem também ser estabelecidas outras formas de proteção ambiental, como as RPPNs (reservas particulares do patrimônio natural) e a instituição de reserva legal. Além disso, a proteção de bens que configurem patrimônio arqueológico ou paleontológico se dá também por meio do instituto de tombamento correspondente, a cargo do Iphan."
Em um segundo contato, o TJMG disse à reportagem que demais questionamentos devem ser feitos ao advogado da empresa, Ricardo Carneiro. Por mensagem, Carneiro disse à reportagem que é apenas advogado externo da empresa e não tem como responder juridicamente pela decisão da empresa.
O QUE FORAM PALEOTOCAS
As paleotocas são abrigos subterrâneos que foram usados por animais já extintos para refúgio, reprodução ou alimentação. A identificação das paleotocas de uma caverna comum se dá pela presença de restos ou vestígios destes animais, como ossos, dentes, marcas de unhas ou cocôs fossilizados (coprólitos).
Antes da última Era Glacial, há pelo menos 10 mil anos, quase todo o território brasileiro abrigava animais da chamada megafauna americana. Eram membros das linhagens que hoje incluem os bichos-preguiça, os tatus e antas. Entre os animais da megafauna, o mais famoso é a preguiça-gigante (Megatherium). Na América do Norte estavam presentes também tigres-dentes-de-sabre (gênero Smilodon) e o mamute (gênero Mammuthus).
"Acredito que a proteção poderia consistir em fazer uma cerca, deixar uma área para visitação e usar o entorno da paleotoca", afirma o paleontólogo Cástor Cartelle, professor do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas.
Segundo ele, porém, é provável que a paleotoca Caeté não fosse escavada por uma preguiça-gigante devido ao seu tamanho. "Não consigo imaginar como um animal de até seis metros de altura ia escavar túneis de 30 metros de comprimento, teria que entrar 'de marcha-ré', e um animal desses não dá volta lá dentro. Mais provável que fosse usado como refúgio temporário ou para afiar as garras", disse.
As marcas podem indicar ainda a presença de outros animais na região, incluindo membros da família Cervidae (veados).