Contra privatizações, greve desafia Justiça e paralisa transporte de SP

Por ISABELLA MENON

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Apesar de proibição judicial, trabalhadores do sistema de transporte sobre trilhos de São Paulo paralisaram quatro linhas do Metrô e cinco da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) nesta terça-feira (3) em protesto contra o plano de concessão à iniciativa privada das empresas pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).

A greve, organizada em conjunto com servidores da Sabesp (Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo), foi acusada pelo governo de ter motivação política, e não trabalhista.

Decisões na Justiça do Trabalho determinaram, na semana passada, que tanto o Metrô quanto a CPTM funcionassem com capacidade total nos horários de pico e 80% do efetivo nos demais, o que não ocorreu.

Passageiros foram forçados a mudar rotas, pegar ônibus e carros de aplicativos ou ampliar o trajeto com as linhas concedidas que continuaram em operação. Na capital, o rodízio de veículos foi suspenso, e o trânsito ficou acima da média em todas as regiões pela manhã. Aulas foram suspensas nas escolas estaduais.

Os grevistas pediram na Justiça o direito de substituir a paralisação por um protesto com catracas livres, uma reivindicação histórica da categoria. O TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região) recusou essa possibilidade. A juíza Raquel Gabbai de Oliveira, que julgou a ação sobre a greve na CPTM, aceitou o argumento da companhia estatal de que liberar as catracas poderia provocar tumulto e risco de acidentes.

Nesta terça, a empresa pediu que três sindicatos da categoria fossem multados, juntos, em R$ 1 milhão pela greve. A juíza entendeu que os trabalhadores descumpriram a decisão e elevou a multa a R$ 500 mil para cada uma das entidades, totalizando R$ 1,5 milhão. A Justiça determinou ainda uma multa de R$ 2 milhões ao sindicato que representa os metroviários em caso de continuidade da greve nesta quarta (4).

Uma seção especializada do TRT, composta por dez desembargadores, ainda vai julgar se as multas deverão ser aplicadas.

Além de chamar a greve de ilegal, o governador Tarcísio acusou os sindicatos de agirem com "clara motivação política". "Se eles [sindicatos] não respeitam nem os cidadãos, nem a Justiça, vão respeitar quem?", afirmou em entrevista a jornalistas no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo.

"No ano que vem temos eleições municipais e está muito clara a motivação deles. Como vamos ter um prefeito que não dialoga com o governo?". O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), pré-candidato à prefeitura paulistana em 2024 com o apoio do PT, é um dos críticos à privatização da Sabesp.

Provável rival de Boulos no pleito do próximo ano, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) criticou a paralisação. "Lamentamos que nossa população seja prejudicada por uma greve ideológica, apoiada por partidos como o PSOL", escreveu o mandatário no X, antigo Twitter. " Uma greve que não está, sequer, respeitando decisão da Justiça. Estamos trabalhando para ajudar aqueles que realmente trabalham", afirmou o prefeito, que é aliado do governador.

Tarcísio reiterou que as greves não vão impedir que a gestão continue estudando as concessões que, segundo ele, têm como objetivo a melhoria do transporte e da experiência do cidadão. "Temos a confiança de que podemos fazer mais e melhor, e não vamos parar. Lamento o transtorno do cidadão que teve o direito ao transporte tolhido."

O Sindicato dos Metroviários rebateu as declarações dizendo que a greve é trabalhista e em defesa do transporte público.

"As privatizações ameaçam o emprego, elas ameaçam direitos dos trabalhadores. Então, essa greve tem uma motivação trabalhista também. Mas não só. Ela tem uma motivação de defesa do transporte público. É uma greve de interesse social, porque estão em jogo as condições e a qualidade de um serviço essencial para a população, tanto em relação ao transporte público quanto em relação aos serviços de água e saneamento básico", disse Camila Lisboa, presidente do Sindicato dos Metroviários.

Com relação ao não cumprimento de decisões judiciais, Lisboa afirmou que os trabalhadores estão batalhando pelo seu direito de greve e que sindicato afirmou que está recorrendo.

Centro da disputa entre grevistas e governo, o plano de repassar serviços públicos à iniciativa privada é considerado estratégico pela gestão Tarcísio.

Os planos para o Metrô, a CPTM e a Sabesp estão em estágios de maturidade diferentes. As propostas enfrentam resistência de sindicatos de funcionários das estatais, de movimentos sociais e partidos de esquerda.

A venda da Sabesp é o projeto mais avançado até agora. A gestão Tarcísio quer enviar o projeto de lei da desestatização ainda neste mês e espera aprová-lo até o fim do ano.

A intenção é vender participação do governo na empresa e ficar com menos da metade das cotas, ou seja, repassando a administração para o setor privado. Os detalhes finais da proposta, como a participação final do governo na empresa, ainda estão sendo definidos.

Pesquisa Datafolha de abril mostrou que a medida é rejeitada pela maior parcela (53%) dos moradores do estado de São Paulo, enquanto 40% são a favor.

O instituto também questionou os entrevistados que moram na região metropolitana de São Paulo sobre a privatização de linhas de trem de passageiros. Segundo a pesquisa, 49% declaram ser favoráveis, enquanto 45% se opõem.

Em relação às linhas de metrô, o cenário é ainda mais dividido: 48% a favor e 47% contra.

Em relação à CPTM, o governo estadual encomendou um estudo para privatizar todas as linhas que hoje são administradas diretamente pela empresa pública. Elas funcionariam no mesmo modelo em vigor nas linhas 8-diamante e 9-esmeralda, com administração de uma empresa privada e a fiscalização do poder público.

É esse o caso que atrai a maior parte das críticas de funcionários e usuários, pois desde a concessão para a ViaMobilidade houve um aumento de casos de descarrilamento e outros tipos de falha.

Na entrevista desta terça, pela manhã, Tarcísio chegou a declarar que as únicas linhas que continuavam funcionando na greve eram as privatizadas, o que demonstra, segundo ele, que as concessões têm um bom resultado para a população.

À tarde, porém, uma falha no sistema elétrico interrompeu justamente a circulação de parte da linha 9, que vinha sendo usada pelos passageiros como alternativa para a suspensão dos serviços públicos.

De acordo com Lisboa, durante a campanha Tarcísio afirmou que poderia rever os contratos de concessão com a ViaMobilidade caso os problemas continuassem.

"Foi isso o que ele falou na eleição. E os problemas aumentaram ao longo desse ano. E ao invés de ele rever o contrato de concessão, como ele disse na eleição, ele foi criticar e atacar o Ministério Público, que estava fazendo as investigações necessárias e chegou inclusive a pedir o cancelamento do contrato de concessão", afirmou a líder sindical.

No Metrô, alguns planos já estão em andamento. Está prevista a concessão dos serviços de atendimento ao público nas estações, hoje feito por servidores públicos, e da manutenção da linha 15-prata. Os dois pregões estão agendados para o mês de outubro.

Além disso, Tarcísio já manifestou intenção de conceder a operação das quatro linhas públicas do Metrô -1-azul, 2-verde, 3-vermelha e 15-prata. Oficialmente, o processo de estudo para essas concessões ainda não teve início.

O governo recusa a ideia de plebiscito para aprovar privatizações, como pedem os grevistas, e diz que todos os projetos passarão por audiências públicas antes de serem aprovados.

A greve desta terça é a segunda paralisação no transporte público enfrentada pelo governador em menos de dez meses à frente do estado.

A primeira delas, de 34 horas, ocorreu há seis meses, em março e parou as linhas do metrô sob gestão pública. A principal reivindicação era salarial.

Próximo às escadas rolantes que dão acesso à estação Corinthians-Itaquera, da linha 3-vermelha do metrô, o conferente de logística José Rosimar da Silva 45, ouvia o discurso de militantes nesta terça. "A greve atrapalha sim, mas concordo com a reivindicação", disse ele, que avaliava maneiras de chegar ao trabalho, em Embu das Artes.

"A gente não pode parar, o patrão não quer saber", queixava-se o carpinteiro José Avelar, 57, diante do portão metálico que bloqueava o acesso às catracas da estação. Ele se disse favorável à privatização do transporte sobre trilhos e contou que tem como referência de qualidade a linha 4-amarela, de administração privada. "Funciona muito melhor e a gente não fica sujeito a esse tipo de paralisação."

Já o ajudante de obras Otoniel Neto, 43, discorda da paralisação, embora considere válida a pauta. "Deviam fazer outro tipo de protesto, porque o transporte parado prejudica muita gente."