Indígenas em SC começam a deixar casas próximas de barragem fechada

Por CATARINA SCORTECCI

CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - Algumas famílias que vivem na Terra Indígena Laklãnõ Xokleng, em Santa Catarina, já estão deixando suas casas, que podem desaparecer com o volume de água do rio Itajaí do Norte, que se acumula no local por causa do fechamento das duas comportas da Barragem Norte, no município de José Boiteux, neste domingo (8).

A decisão de fechar as comportas foi anunciada pelo governo de Santa Catarina na noite de sábado (7). O governador Jorginho Mello (PL) justificou que a medida serve para reduzir o nível do rio Itajaí Açu, em Blumenau, minimizando o impacto das cheias para a cidade.

As chuvas caem com intensidade no estado desde o último dia 4. Na própria terra indígena Xokleng, há barreiras nas estradas das aldeias em decorrência de deslizamentos de terras.

Cerca de 3.000 pessoas vivem hoje dentro da terra indígena, que fica em cima da barragem e pode ser inundada com o aumento do nível do rio, de acordo com lideranças locais. Ali, há casas de madeira e alvenaria, além das plantações, com cultivos de aipim, batata e hortaliças.

"O governo dá prioridade à população abaixo da barragem. A água está subindo rápido aqui. As pessoas estão indo para a igreja ou para casas de familiares", diz a professora Keli Regina Xokleng.

Ela diz que da última vez que as comportas foram fechadas, em 2014, a comunidade indígena "ficou ilhada por mais de 20 dias", com dificuldades para conseguir água potável e alimentos.

Durante audiência na Justiça Federal realizada no domingo, o governo estadual se comprometeu, entre outras coisas, a melhorar as estradas das aldeias e construir novas casas para as famílias afetadas pela retomada da operação da barragem.

A procuradora da República Lucyana Pepe afirma que o Ministério Público Federal tem acompanhado a situação "para garantir a efetivação dos direitos dos povos indígenas".

la informa ainda que o governo estadual também se comprometeu durante a audiência a apresentar estudos que comprovem a segurança da estrutura da barragem.

A preocupação ocorre porque a barragem não receberia manutenção adequada há pelo menos dez anos.

"Quanto ao risco em relação às comunidades do entorno, decorrente da higidez da estrutura da barragem em si, o estado assegurou verbalmente essa segurança, porém até o momento não foi juntado aos autos os documentos comprobatórios", afirma Pepe.

Procurada, a PGE (Procuradoria Geral do Estado) não se manifestou até a publicação deste texto.

Em suas redes sociais, o governador Jorginho Mello escreve que foram consultados "especialistas, técnicos da nossa Defesa Civil, engenheiros da Secretaria da Infraestrutura", e que "todas as decisões que tomamos são de base técnica".

Ministério Público deve investigar ações de policiais

A Justiça Federal de Santa Catarina também determinou que o Ministério Público Federal investigue a atuação dos policiais militares durante o fechamento das comportas, na manhã de domingo.

Dois indígenas que protestavam contra a medida, de 37 e 29 anos, foram feridos por policiais militares.

Eles receberam atendimento médico em um hospital em Ibirama e foram liberados ainda no domingo, de acordo com a Secretaria de Saúde do estado.

A Polícia Militar tratou o episódio como um "confronto pontual". O coronel Aurélio José Pelozato da Rosa afirmou que "um pequeno grupo teria atacado policiais" para impedir o fechamento das comportas.

O governador Jorginho Mello também falou sobre o caso nas suas redes sociais: "Apenas uma minoria de indígenas, contrária ao acordo firmado com os caciques, tentou impedir o nosso trabalho".

O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) afirmou que o governo de Santa Catarina fez "um ataque covarde e violento" contra o povo xokleng e classificou a operação da PM de "desastrosa e irresponsável".

Também afirmou que a resistência ao fechamento da barragem tem relação com o histórico de descumprimentos do governo catarinense em acordos firmados com os xokleng desde os anos 1990, quando a barragem começou a ser construída dentro do território indígena.