Ações contra caos aéreo de fios em SP não avançam, e prefeitura estuda novo programa

Por LEONARDO ZVARICK

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Há mais de quatro décadas a dona de casa Elisabete Narciso, 61, observa de sua janela as mudanças na paisagem de São Paulo. "Antigamente dava até para ver as antenas na avenida Paulista", conta a moradora do Jardim Peri, bairro da zona norte.

De dez anos para cá, no entanto, a vista vem perdendo encanto. "Bem na frente da minha casa tem um poste que atrapalha muito, pois está sempre lotado com fios", diz Elisabete, que vê pouca ação para solucionar o problema.

Os emaranhados de fios suspensos em vias públicas há anos são elementos que se destacam na paisagem da cidade. Reconhecido como indesejável por autoridades e urbanistas, o caos aéreo -sobretudo em áreas mais adensadas- traz instabilidade a serviços públicos e risco à segurança.

O uso de postes de luz para serviços de telecomunicações é regulamentado por resolução conjunta da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Pelas normas vigentes, cada poste deveria comportar, no máximo, cinco instalações ao mesmo tempo, mas, na prática, a infraestrutura é ocupada também por fiações irregulares.

"Hoje nós temos 399 contratos [de locação de postes] de empresas de telecom conosco, mas tem muitas que operam clandestinamente. E esse número nós não temos nem ideia qual seja", afirma Márcio Jardim, diretor de planejamento da Enel, concessionária responsável pela distribuição de energia elétrica em 24 municípios da região metropolitana de São Paulo, incluindo a capital.

De acordo com a empresa, cerca de dez toneladas de cabos irregulares foram retirados de postes em sua área de operação de janeiro a agosto desse ano, volume similar ao do ano passado. Além das instalações clandestinas, fiações abandonadas por operadoras regulares, que muitas vezes instalam equipamento novo sem recolher o antigo, se misturam aos emaranhados.

A cidade de São Paulo tem aproximadamente 750 mil postes. Desde 2020, uma lei municipal estabelece normas para a organização da rede aérea da cidade, mas ela nunca foi regulamentada pela prefeitura.

Até o mês de setembro, a autoridade municipal emitiu 118 notificações e 22 multas a empresas de telecomunicações por irregularidades nas instalações, no valor total de R$ 16 mil. Ao longo de todo o ano passado, foram 92 multas (R$ 94 mil).

Procurada, a gestão Ricardo Nunes (MDB) disse que "estudos técnicos vão definir o parâmetro para a regulamentação" da lei.

Emaranhado de fios em poste da alameda Santos, na região dos Jardins. Danilo Verpa/Folhapress **** Para Luiz Henrique Barbosa da Silva, presidente da TelComp, entidade que reúne mais de 70 operadoras de telecomunicações, a falta de uma fiscalização eficiente cria dificuldade na organização da rede. "Infelizmente é uma tarefa muito difícil. A gente brinca que você vai e reordena, mas de madrugada aparece uma Kombi branca lançando uma rede clandestina que a gente não conhece", disse.

Enterramento é alternativa, mas custo alto impõe barreira

Alternativa adotada por outras grandes cidades, como Barcelona, Paris e Nova York, a fiação subterrânea foi aplicada em pouquíssimas áreas de São Paulo, como a avenida Paulista e, mais recentemente, o entorno do Museu do Ipiranga. De acordo com a Enel, apenas 6% dos 43 mil quilômetros de rede elétrica em sua área de concessão são enterrados.

Os custos elevados são o principal obstáculo para que os projetos avancem -a rede enterrada é 11 vezes mais cara que a aérea, de acordo com a distribuidora.

A engenheira elétrica Michele Rodrigues explica que além das despesas com obras, que envolvem a abertura de valas, construção de poços de inspeção e recomposição de calçadas, os materiais e equipamentos utilizados na rede subterrânea têm custo maior.

"O cabeamento é mais caro, pois é revestido e impermeável. É como se fosse um cabeamento marítimo, porque muitas dessas subestações alagam com o tempo. Além disso, a rede enterrada usa transformadores de maior potência, que são resinados e possuem blindagem, porque também ficam submersos", explica a professora da FEI (Fundação Educacional Inaciana).

Em 2005, uma lei municipal estabeleceu que as concessionárias de energia e outros serviços via cabo, como telefonia e internet, enterrassem por conta própria 250 quilômetros lineares de rede por ano. A Justiça, porém, entendeu que o município não tem competência para legislar sobre o assunto, já que a concessão do serviço de distribuição de energia é federal.

Um dos argumentos citados é que a exigência poderia desequilibrar financeiramente o contrato de concessão, com impacto na tarifa ao consumidor. Na época, a conta para o enterramento total da rede ficava em torno de R$ 100 bilhões.

A Enel reconhece que a rede aérea está sujeita a mais interrupções, já que é afetada por chuvas e ventanias, entre outras influências externas. As quedas de energia, em muitos casos, se prolongam além do limite de tempo estabelecido pela agência reguladora, mas o diretor de planejamento Márcio Jardim diz que a distribuidora cumpre os parâmetros estabelecidos na concessão.

Segundo a Enel, R$ 7 bilhões foram investidos nos últimos cinco anos, incluindo novas tecnologias para melhorar a qualidade da distribuição.

"[Enterramento de fios] é uma questão que ainda tem que ser amadurecida. Então, por isso que a gente precisa e conta muito com o poder público no sentido de avançar em projetos como esse", acrescenta Jardim, em referência ao programa SP Sem Fio, da prefeitura.

Lançada em 2017 pelo então prefeito João Doria (à época no PSDB), a iniciativa previa o enterramento de 65 km de rede aérea em 210 ruas da região central e da Vila Olímpia, na zona sul.

O projeto, segundo a prefeitura, não tem ônus aos cofres da cidade. "A administração municipal atua na coordenação das mais de 100 empresas de telecomunicação, Enel, Ilumina SP e a SPtrans (por conta dos trólebus)", diz nota.

Segundo a TelComp, o custo total das intervenções de infraestrutura civil do projeto, incluindo recomposição de calçadas, é estimado em R$ 227 milhões, enquanto o custo da migração das redes é de quase R$ 90 milhões. A Enel não informou o valor investido.

Passados seis anos, a prefeitura diz que 57% do serviço foi concluído. Hoje, o principal entrave é o enterramento das redes de telecomunicações. A associação que representa o setor atribui atrasos no cronograma à pandemia e a limitações logísticas.

"Você depende de licenças da Companhia de Engenharia de Tráfego, licenças da própria prefeitura, e você tem pequenos espaços do dia para executá-la. Então, a obra é muito pouco produtiva em termos de eficiência", disse Silva, da TelComp.

A entidade diz que todas as obras já estão em andamento e prevê que o trabalho acabe em 2025. A prefeitura não disse se há planos de prorrogar o programa. Mas desde o início do ano, um grupo de trabalho formado por diversas secretarias municipais estuda maneiras de ampliar as políticas de enterramento de fios. As conclusões devem ser apresentadas até o fim do ano.