Escritora americana defende que tirar um cochilo é um ato revolucionário

Por TETÉ RIBEIRO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Que nem quase todo mundo com quem eu convivo hoje em dia, a americana Tricia Hersey, 49, vivia exausta. Mas isso foi dez anos atrás. Hoje em dia, Tricia não admite a hipótese de trocar algumas horas de sono por nada nessa vida. E mais: ela fez do descanso sua missão de vida.

Em 2013, ela fazia pós-graduação em Teologia na Universidade Emory, em Atlanta, capital do estado americano da Georgia, no sudeste dos Estados Unidos, trabalhava no campus para se sustentar e cuidava, sozinha, de seu filho pequeno.

Para ajudar a pagar seus estudos, vendeu o carro que tinha e era obrigada a tomar três ônibus e um trem para ir e voltar da universidade todos os dias. Qualquer tempinho que sobrava era dedicado aos estudos, mas vivia tão cansada que frequentemente se pegava tendo que reler o que já tinha lido porque não conseguia entender ou lembrar com precisão o que tinha lido.

Suas notas começaram a cair, seu corpo começou a dar sinais de que algo não ia bem e ela frequentemente pegava gripes, viroses e tinha problemas de digestão. Quem nunca?

Quando se encostava no sofá da sala para ler os textos que os professores pediam, era comum que deixasse o livro cair no chão enquanto seus olhos simplesmente fechavam sem que ela pudesse fazer nada a respeito. Quando acordava, se sentia renovada.

Então decidiu, sem ler nada nem fazer nenhuma pesquisa, a construir, na marra, momentos para não fazer nada por alguns instantes no meio da rotina pesada que tinha. Tricia cochilava todos os dias em qualquer lugar que dava: na cama, no sofá, nos bancos dos parques ou da universidade. Não se importava se todo mundo visse, se rissem dela, se sentissem pena.

Com o tempo, foi descobrindo outras maneiras de tirar toda a preocupação da cabeça por uns instantes, com outras atividades tão relaxantes quanto uma soneca. Podia ser um banho quente de banheira com luz bem baixinha, fazer meditação no trem ou simplesmente sonhar acordada.

E não é que, dedicando menos tempo ao trabalho e aos estudos, suas notas melhoraram? Assim como sua saúde, seu humor e a paciência que conviver com crianças pequenas exige.

Tricia percebeu que fazer o contrário do que muitas pessoas na sociedade americana costumam acreditar, que uma mulher, especialmente uma mulher negra, como ela, precisa fazer o triplo do esforço de um homem branco para ser reconhecida, seria a bandeira que ela iria carregar dali para frente.

Sua transformação pessoal virou sua missão de vida. Tricia Hersey criou um movimento, batizado em 2016 de "Nap Ministry", ministério do cochilo, em tradução livre. E se deu o título de "Nap Bishop", a bispa do cochilo. Passou a promover encontros em que convidava pessoas para um cochilo coletivo de 30 a 40 minutos, embalados por falas tranquilizadoras que ela escrevia para defender sua teoria de que o descanso é a melhor forma de resistência.

São dois os inimigos que ela pretende enfrentar: um, o capitalismo, o motor por trás da cultura da produtividade, que parece atribuir maior valor a quem está exausto de tanto trabalhar em vez das pessoas que optam por levar a vida com mais calma, mais horas de sono e menos dinheiro no banco.

O segundo é o racismo estrutural e residual, já que, segundo ela, os negros escravizados eram muito frequentemente privados de sono. Isso acabou sendo incorporado pela sociedade dos tempos atuais e transformado nessa ideia enviesada, mas difícil de contrariar, de que, para conquistar o mesmo que um homem branco, um homem negro, e, mais ainda, uma mulher negra, precisa trabalhar mais, estudar mais, e renunciar a mais horas livres.

Tricia viu seu movimento explodir durante a pandemia, quando sua plataforma digital conquistou até 10 mil seguidores por dia. Agora, com mais de 500 mil seguidores no Instagram, a bispa do cochilo faz uso frequente da rede social para expandir sua mensagem, ao mesmo tempo em que culpa essa mídia por trazer mais ansiedade e roubar todo o tempo livre das pessoas. Tempo esse que seria muito melhor empregado se fosse gasto olhando para o teto sem pensar em nada.

O tom das mensagens no Instagram, que ela mesma escreve e ilustra, varia entre a extrema gentileza e a cutucada provocadora. É, como ela define, um jeito "raivoso e afetivo" de fazer com que as pessoas acordem e... voltem para a cama.

No ano passado, Tricia lançou seu primeiro livro, "Rest is Resistance", que ainda não tem edição brasileira, apesar de já ter uma agente literária no país, a carioca Lúcia Riff. Virou best-seller instantâneo nos Estados Unidos.

No primeiro semestre deste ano, saiu nos EUA seu segundo trabalho, "The Nap Ministry's Rest Deck: 50 Practices to Resist Grind Culture". Em uma caixa ilustrada, o leitor recebe 50 cartões com frases escritas para inspirá-lo a acreditar na mensagem de Tricia e uma ideia prática de como promover um momento de descanso em qualquer lugar.

Ir a um spa de luxo ou pagar por uma massagem não está nos planos da bispa do cochilo. Ao contrário, ela sugere soluções que estão ao alcance de todos, e luta contra a ideia do descanso como um bem de consumo.

Tricia não deu entrevista para esta matéria, apesar dos meus pedidos insistentes para que ela respondesse às minhas perguntas. Foram três meses de tentativas, por todos os caminhos imagináveis.

No final, entendi a mensagem: todo esse tempo e essa energia que gastei tentando ouvir de Tricia o que ela escreveu em um livro que já tinha lido e postado na rede em que a sigo teriam sido muito mais úteis se eu tivesse usado para não fazer nada.