Quatro dias após temporal em SP, ruas continuam sem luz e afetados contam prejuízos

Por MARIANA ZYLBERKAN E LUCAS LACERDA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Diante da sua picape destruída pela queda de uma árvore, a cozinheira Rosana Rodrigues dos Santos, 51, lembra da tarde de sexta-feira (3), quando se preparava para deixar o trabalho em um restaurante a poucos metros de onde tinha estacionado, na Vila Clementino, zona sul de São Paulo, quando o temporal começou.

"Só ouvi a ventania e um estrondo, quando saí só vi meu carro destruído debaixo da árvore caída", diz. "É o meu ganha-pão, trabalhei sete anos sem folga para comprar."

Em frente ao seu carro usado para fazer entregas, estava estacionado o Chevette 1986 do vigilante Ismael Pimentel dos Santos, 47, também destruído pela queda dos galhos. "Era a minha relíquia", diz.

Assim como a cozinheira e o vigia, moradores e comerciantes das áreas mais afetadas pelo temporal que atingiu a capital paulista na última sexta ainda contabilizam os prejuízos. Na rua onde os carros foram destruídos, os vizinhos ficaram sem energia até a manhã de domingo (5).

Ao menos sete pessoas morreram e 4,2 milhões de domicílios ficaram no escuro após as chuvas e rajadas de vento que atingiram diferentes regiões da capital paulista na sexta.

Morador do bairro há 30 anos, o produtor audiovisual Daniel Mendes, 46, conta que levou as comidas que estavam em sua geladeira para a casa da mãe, que não foi afetada pela falta de luz. "Refizeram o cabeamento só no domingo", disse. Ainda havia fios de eletricidade emaranhados nos galhos quebrados sobre a calçada.

Perto dali, na Vila Mariana, a garagem do prédio onde mora o gerente comercial Guillermo Moane, 53, está interditada desde sexta por uma árvore que caiu sobre a fiação e deixou um poste pendente. "Ninguém entra e ninguém sai de carro", disse o morador. "O poste só não caiu ainda porque os fios estão segurando", explicou.

Apesar do fornecimento de energia não ter sido interrompido, os vizinhos continuam sem acesso à internet. A rua também teve o trânsito bloqueado. "Colocamos esses cones porque um carro passou e enrolou o espelho nos fios soltos, poderia causar outro acidente", disse o morador.

Em nota, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) informou que a árvore caída na rua Maria Figueiredo pode estar energizada e, por isso, é necessária intervenção da Enel para retirar os galhos e o tronco da via.

Os moradores, porém, foram informados de que é preciso a remoção da árvore caída pela prefeitura para as concessionárias de internet restituírem os serviços.

Um quarteirão inteiro ainda estava sem luz até a tarde desta segunda-feira (6) na rua Rouxinol, em Moema, na zona oeste da capital. A queda de uma árvore levou os cabos de energia abaixo na tarde de sexta.

Mesmo sem luz, o sócio de uma lavanderia que funciona há mais de 40 anos na rua, Frank Fukunari, 48, recebia peças de clientes, mas avisava que não tinha prazo para a entrega do serviço. "Estamos sem telefone também, o prejuízo é grande", disse.

Na mesma rua, a lanchonete onde Francisco Aguiar, 52, trabalha não parou de funcionar mesmo sem energia, mas o atendimento aos clientes é feito "pela metade", segundo ele. "Não temos nenhuma bebida gelada, todas as cervejas estão quentes", disse ao apontar para as geladeiras desligadas.

Para não perder a comida armazenada, ele conta que foi preciso uma força-tarefa entre funcionários para levar tudo para um bar do mesmo dono nas redondezas.

Na região metropolitana, condomínios sem abastecimento de água desde sexta começam a entregar garrafas de água potável e a liberar o uso de água da piscina para a descarga em vasos sanitários.

Enquanto veem a comida estragar, moradores também se ajudam na assistência a idosos e na cobrança por soluções de problemas crônicos na estrutura de energia elétrica, além da falta de água.

Na zona oeste, os 2.000 moradores de um condomínio no Jardim Bonfiglioli, no Butantã, com 430 apartamentos, souberam que a energia havia sido retomada em alguns locais do bairro enquanto viam as torneiras secarem.

Durante o fim de semana, não havia bombas para encher as caixas de água das sete torres, e a administração do condomínio passou a distribuir garrafas de água potável. "Agora liberamos água da piscina para moradores usarem na descarga do vaso sanitário", diz o síndico, José Eraudo Júnior, 41. A primeira previsão de retorno, às 20h de domingo (5), não se concretizou.

Os moradores descem com baldes, enchem na piscina e sobem para o apartamento. Tudo de escada.

Como o condomínio tem mais de 40 anos, não conta com geradores. "Em caráter emergencial, estamos levando as garrafas de água para as pessoas e disponibilizamos um telefone fixo para nos comunicarmos para emergências de alimento e remédios. E também contamos com o apoio dos nossos colaboradores, que estão recolhendo o lixo pelas escadas."

Perto dali, na região do parque Previdência, a chuva e os ventos fortes se somaram a um problema histórico do bairro. "Qualquer chuvinha que dá, tem problema, porque a fiação é muito antiga no bairro", diz o morador Sergio Reze, 57. Ele integra a diretoria de uma associação local e aponta como solução a modernização da fiação ou o enterramento dos fios, solução apontada por especialistas.

"Para nossa surpresa, ficamos sem água. Tenho apoio e fui para a casa da minha sogra, mas e o restante dos vizinhos?"

Na Vila Prudente, zona leste da capital, a professora universitária Marcella Boscolo, 35, afirma que a energia foi restabelecida às 11h desta segunda (6), após dias de ruas escuras e mercados vazios. "Eu fiquei sem cobertura aqui na região, vi muitas pessoas na mesma situação."

Ela conta que o bairro também tem diversos prédios que dependem de energia para bombeamento, e cobra que a cidades esteja melhor preparada para eventos que tendem a ser mais frequentes por causa das mudanças climáticas.

"A gente observa, não só aqui na cidade de São Paulo, mas em nível nacional, é que não existe uma cultura da prevenção, existe uma cultura de tapar buracos."

A falta de previsão para o retorno ou a volta em bairros próximos também afligem moradores. É o caso da gerente de marketing Bruna Gaspar, 32, que mora com o marido no Jardim Fonte do Morumbi. "Desde sexta está tudo apagado. No meu condomínio são cerca de 200 apartamentos. E a gente vê prédios em bairros de bacana com luz. É frustrante."