Filho de Mãe Bernardete questiona inquérito e diz que tráfico só executou o crime
SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - Filho de Bernadete Pacífico, conhecida como Mãe Bernardete, Jurandir Wellington Pacífico afirmou que discorda das conclusões do inquérito da Polícia Civil da Bahia que associou as causas do assassinato da líder quilombola ao tráfico de drogas e disse acreditar que os traficantes tenham sido apenas executores do crime.
"Não concordo com o que foi apresentado pela polícia. Na minha avaliação, o tráfico foi contratado e executou a minha mãe a mando de alguém. A execução dela foi terceirizada para os traficantes", disse Jurandir em conversa com a Folha na noite desta quinta-feira (18).
No inquérito, a Polícia Civil da Bahia concluiu que o assassinato de Mãe Bernadete teria sido motivado pelo enfrentamento a interesses de uma facção do tráfico de drogas e teria sido insuflado por um morador da comunidade quilombola Pitanga dos Palmares envolvido com extração ilegal de madeira.
O crime aconteceu na noite de 17 de agosto, quando ela foi morta com 25 tiros na casa que funcionava como sede da associação do quilombo, em Simões Filho (BA).
Jurandir afirmou que os conflitos de Mãe Bernadete com os traficantes e pessoas ligadas a eles eram pontuais e diz não acreditar que esta seria a motivação do crime: "Houve o atrito no dia da [exploração ilegal] de madeira e a questão da barraca. Mas os traficantes sempre estiveram lá. Nunca tiveram problema com minha mãe, que sequer tinha contato com eles."
Questionado sobre quem seria o possível mandante do crime, Jurandir Pacífico afirmou que cabe à Polícia Civil investigar.
O Ministério Público da Bahia ofereceu denúncia contra cinco pessoas supostamente envolvidas no crime. Elas são acusadas de homicídio triplamente qualificado por motivo torpe, com uso de arma de fogo e sem chance de defesa da vítima.
Suspeitos de integrarem a facção criminosa Bonde do Maluco, uma das mais violentas da Bahia, Marílio dos Santos e Ydney Carlos dos Santos de Jesus são apontados como mandantes do assassinato.
Arielson da Conceição Santos e Josevan Dionísio dos Santo, que seriam ligados à mesma facção, são suspeitos de executar o crime. Sérgio Ferreira de Jesus, morador do quilombo, teria incentivado o grupo e atuado para facilitar a ação dos criminosos após uma querela com Mãe Bernadete.
As investigações apontam que Sérgio Ferreira explorava ilegalmente madeira dentro da comunidade e, dias antes do crime, havia sido repreendido por ela.
A líder quilombola também lutava contra a instalação de um bar chamado Pitanga Point City, que estava sendo erguido por traficantes para a realização de festas. A barraca foi erguida nas margens de uma represa em uma área de preservação permanente.
Após a discussão com Mãe Bernadete, Sérgio Ferreira enviou áudios aos líderes do tráfico dizendo que a líder quilombola teria acionado a polícia para impedir instalação do bar dentro da área de preservação.
Depois disso, apontam os investigadores, a morte da líder quilombola teria sido ordenada por Marílio dos Santos e Ydney Carlos dos Santos de Jesus.
Sérgio e Arielson foram presos em setembro por suspeita de participação no crime. Josevan e Marílio estão foragidos, sendo que o último tem quatro mandados de prisão em aberto. Já Ydney teve o pedido de prisão preventiva deferido pela Justiça.
Um sexto suspeito de envolvimento, que teria guardado as armas usadas no crime e dado apoio à fuga de um dos atiradores, foi indiciado em outro inquérito.
A líder quilombola já havia recebido ameaças e fazia parte de um programa de proteção a defensores de direitos humanos do Governo da Bahia. Câmeras foram instaladas na sua casa e no entorno, e policiais faziam visitas periódicas ao local, mas não havia vigilância constante.
Advogados e familiares de Mãe Bernardete tiveram uma reunião na tarde desta quinta-feira (16) com a equipe da Polícia Civil responsável pelas investigações. A família questiona a possível participação de mais pessoas da facção criminosa como mandantes do crime.
O advogado David Mendez afirma que a defesa da família deve mover uma ação indenizatória contra o estado da Bahia e a União contra o que chamou de "falhas grotescas" do programa de proteção a defensores de direitos humanos ao qual a líder quilombola estava submetida.
"Frustradas as tratativas administrativas, resta à família apenas a via judicial, o que representa um verdadeiro absurdo em se tratando de dois governos [federal e estadual] sob comando do Partido dos Trabalhadores, dito companheiro das comunidades tradicionais brasileiras", afirma Mendez.