Lula critica dinheiro em guerras e cobra cumprimento de acordos em discurso na COP28
DUBAI (FOLHAPRESS) - Em discurso na sessão de abertura da COP28, na manhã desta sexta (1º), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou o dinheiro dispensado em guerras e a falta de compromisso dos países em seguir os protocolos climáticos acertados anteriormente.
"É preciso resgatar a crença no multilateralismo. É inexplicável que a ONU, apesar de seus esforços, se mostre incapaz de manter a paz, simplesmente porque alguns dos seus membros lucram com a guerra", disse ele na conferência do clima da ONU, em Dubai.
"É lamentável que acordos como o Protocolo de Kyoto (1997) ou os Acordos de Paris (2015) não sejam implementados."
Lula deve fazer um segundo discurso na COP28 nesta manhã, durante a plenária dos líderes. A agenda do presidente inclui também uma série de reuniões bilaterais, entre outras atividades. Ao todo, estão previstos 26 compromissos num intervalo de 32 horas.
O plano de ação para limitar o aquecimento global do Acordo de Paris inclui manter o aumento da temperatura média mundial abaixo dos 2°C em relação aos níveis pré-industriais e em tentar limitar o aumento a 1,5°C.
Já o Protocolo de Kyoto foi o primeiro tratado internacional para controle da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera. Entre suas metas, estabelecia a redução de 5,2% na emissão de poluentes em relação a 1990, principalmente por parte dos países industrializados.
Lula cutucou seus pares dos países ricos ao questionar as reais intenções em relação ao uso de dinheiro. "Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta? Somente no ano passado, o mundo gastou mais de US$ 2 trilhões e 224 bilhões de dólares em armas", afirmou.
"Quantia que poderia ser investida no combate à fome e no enfrentamento da mudança climática. Quantas toneladas de carbono são emitidas pelos mísseis que cruzam o céu e desabam sobre civis inocentes, sobretudo crianças e mulheres famintas?", continuou.
O brasileiro mencionou ainda a necessidade de "trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis". Nesta quinta-feira (30), porém, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sinalizou o interesse do Brasil em aceitar convite para ingressar na Opep+, grupo que funciona como um cartel dos petróleos de petróleo.
Para especialistas em clima, a adesão ao grupo seria um contrassenso com a imagem de potência ambiental que o Brasil procura construir. Na quarta (29), em visita a Riad, Lula disse que o Brasil vai ser "a Arábia Saudita da energia verde".
No discurso na manhã desta sexta-feira, Lula destacou que a desigualdade deveria ser combatida em primeiro lugar. "A conta da mudança climática não é a mesma para todos. E chegou primeiro para as populações mais pobres. O 1% mais rico do planeta emite o mesmo volume de carbono que 66% da população mundial", afirmou.
"Trabalhadores do campo, que têm suas lavouras de subsistência devastadas pela seca, e já não podem alimentar suas famílias. Moradores das periferias das grandes cidades, que perdem o pouco que têm quando a enchente arrasta tudo: casas, móveis, animais de estimação e seus próprios filhos."
Lula também afirmou que "a injustiça que penaliza as gerações mais jovens é apenas uma das faces das desigualdades que nos afligem". Para ele, "o mundo naturalizou disparidades inaceitáveis de renda, gênero e raça" e "não é possível enfrentar a mudança do clima sem combater as desigualdades."
Lula iniciou o discurso citando a queniana Wangari Maathai, vencedora do prêmio Nobel da Paz em 2004. "Uma mulher africana sintetizou bem o dilema da humanidade em sua relação com a natureza. Disse ela: 'A geração que destrói o meio ambiente não é a geração que paga o preço'."
A cerimônia de abertura teve também discursos do secretário-geral da ONU, António Guterres, e do rei Charles 3º do Reino Unido, que falou logo antes de Lula.
Após o presidente do Brasil, houve fala da também brasileira Isabel Prestes da Fonseca, liderança indígena do povo munduruku que é cofundadora e diretora ambiental do Instituto Zag, dedicado ao reflorestamento.
A necessidade de proteger as araucárias e preservar o conhecimento tradicional dos povos indígenas foi o ponto central do discurso de Fonseca, que vive na Terra Indígena Xokleng Laklãnõ, em Santa Catarina. O processo de demarcação dessa terra foi o alvo da discussão do marco temporal de terras indígenas no STF (Supremo Tribunal Federal).
LEIA A ÍNTEGRA DO DISCURSO DE LULA
"Uma mulher africana, a queniana Wangari Maathai, vencedora do prêmio Nobel da Paz, sintetizou bem o dilema da humanidade em sua relação com a natureza.
Disse ela: "A geração que destrói o meio ambiente não é a geração que paga o preço".
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas alertou que temos somente até o final desta década para evitar que a temperatura global ultrapasse um grau e meio acima dos níveis pré-industriais.
2023 já é o ano mais quente dos últimos 125 mil anos.
A humanidade sofre com secas, enchentes e ondas de calor cada vez mais extremas e frequentes.
No Norte do Brasil, a Amazônia amarga uma das mais trágicas secas de sua história. No Sul, tempestades e ciclones deixam um rastro inédito de destruição e morte.
A ciência e a realidade nos mostram que desta vez a conta chegou antes.
O planeta já não espera para cobrar da próxima geração.
O planeta está farto de acordos climáticos não cumpridos.
De metas de redução de emissão de carbono negligenciadas.
Do auxílio financeiro aos países pobres que não chega.
De discursos eloquentes e vazios.
Precisamos de atitudes concretas.
Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta?
Somente no ano passado, o mundo gastou mais de US$ 2 trilhões e 224 milhões de dólares em armas. Quantia que poderia ser investida no combate à fome e no enfrentamento da mudança climática.
Quantas toneladas de carbono são emitidas pelos mísseis que cruzam o céu e desabam sobre civis inocentes, sobretudo criançaz e mulheres famintas?
A conta da mudança climática não é a mesma para todos. E chegou primeiro para as populações mais pobres.
O 1% mais rico do planeta emite o mesmo volume de carbono que 66% da população mundial.
Trabalhadores do campo, que têm suas lavouras de subsistência devastadas pela seca, e já não podem alimentar suas famílias.
Moradores das periferias das grandes cidades, que perdem o pouco que têm quando a enchente arrasta tudo: casas, móveis, animais de estimação e seus próprios filhos.
A injustiça que penaliza as gerações mais jovens é apenas uma das faces das desigualdades que nos afligem.
O mundo naturalizou disparidades inaceitáveis de renda, gênero e raça.
Não é possível enfrentar a mudança do clima sem combater as desigualdades.
Quem passa fome tem sua existência aprisionada na dor do presente. R torna-se incapaz de pensar no amanhã.
Reduzir vulnerabilidades socioeconômicas significa construir resiliência frente a eventos extremos.
Significa também ter condições de redirecionar esforços para a luta contra o aquecimento global.
Em 2009, quando participei da COP15, em Copenhague, a arquitetura da Convenção do Clima estava à beira do colapso.
As negociações fracassaram e foi preciso um grande esforço para recuperar a confiança e chegar ao Acordo de Paris, em 2015.
Ao retornar à presidência do Brasil, constato que estamos, hoje, em situação semelhante.
O não cumprimento dos compromissos assumidos corrói a credibilidade do regime.
É preciso resgatar a crença no multilateralismo.
É inexplicável que a ONU, apesar de seus esforços, se mostre incapaz de manter a paz, simplesmente porque alguns dos seus membros lucram com a guerra.
É lamentável que acordos como o Protocolo de Kyoto (1997) ou os Acordos de Paris (2015) não sejam implementados.
Governantes não podem se eximir de suas responsabilidades.
Nenhum país resolverá seus problemas sozinho. Estamos todos obrigados a atuar juntos além de nossas fronteiras.
O Brasil está disposto a liderar pelo exemplo.
Ajustamos nossas metas climáticas, que são hoje mais ambiciosas do que as de muitos países desenvolvidos.
Reduzimos drasticamente o desmatamento na Amazônia e vamos zerá-lo até 2030.
Formulamos um plano de transformação ecológica, para promover a industrialização verde, a agricultura de baixo carbono e a bioeconomia.
Forjamos uma visão comum com os países amazônicos e criamos pontes com outros países detentores de florestas tropicais.
O mundo já está convencido do potencial das energias renováveis.
É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis.
Temos de fazê-lo de forma urgente e justa.
Vamos trabalhar de forma construtiva, com todos os países, para pavimentar o caminho entre esta COP28 e a COP30, que sediaremos no coração da Amazônia.
Não existem dois planetas Terra. Somos uma única espécie, chamada Humanidade.
Todos almejamos tornar o mundo capaz de acolher com dignidade a totalidade de seus habitantes - e não apenas uma minoria privilegiada.
Como nos convida o Papa Francisco na Encíclica "Todos Irmãos", precisamos conviver na fraternidade.
Muito obrigado."