Governo avalia incluir em indulto perdão a multas de mais de R$ 20 mil
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo Lula (PT) discute incluir no indulto natalino um perdão a multas de mais de R$ 20 mil para condenados que não tenham capacidade financeira de pagar os valores.
A previsão está em minuta de decreto enviada pelo Ministério da Justiça à Secretaria de Assuntos Jurídicos, órgão responsável na Presidência da República por analisar a legalidade dos atos do governo.
O texto, ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso, prevê que as pessoas condenadas a multas receberão o perdão, independente da condição financeira, se o montante não superar R$ 20 mil ?que é o "valor mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional", segundo a minuta.
Se o valor for maior, o perdão será concedido às pessoas que "não tenham capacidade econômica" de quitar a multa.
O perdão econômico é considerado o ponto mais polêmico por integrantes do governo, segundo fontes que acompanham as discussões do decreto.
Os indultos natalinos das gestões petistas e do ex-presidente Michel Temer (MDB) chegaram a alcançar as multas de condenados a penas privativas de liberdade (regime que restringe o direito de ir e vir).
O STF (Supremo Tribunal Federal) discutiu o assunto em 2019. O relator, ministro Luís Roberto Barroso, defendeu que este tipo de indulto era inconstitucional, mas ele foi voto vencido no plenário.
Mesmo declarado constitucional, o perdão para as multas deixou de ser dado nos indultos natalinos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de 2019 a 2022.
O presidente Lula vai discutir os detalhes do texto nesta sexta-feira (22).
Auxiliares do petista entendem que uma súmula do STJ (Superior Tribunal de Justiça) garante a legalidade do perdão. Há dúvidas, porém, sobre qual deve ser o alcance da medida e o impacto financeiro.
A minuta do decreto ainda traz pontos considerados consensuais no Palácio do Planalto. O texto, por exemplo, vai impedir que o indulto natalino seja concedido a pessoas condenadas por crimes ambientais, contra a mulher e contra o estado democrático de direito ?o que excluirá do benefício os sentenciados pela depredação das sedes dos Poderes, em 8 de janeiro.
O primeiro indulto do governo Lula 3 deve ampliar o entendimento do que é crime contra a mulher. Ao invés de limitá-lo à tipificação da lei Maria da Penha, o decreto deve estender a restrição aos condenados por atentar contra mulheres em questões políticas ou eleitorais, por discriminação, por importunação sexual, por perseguição e por descumprimento de medidas protetivas.
A vedação do perdão para quem cometeu crimes contra o meio ambiente será inédita, se confirmada por Lula. Assessores palacianos, porém, avaliam em quais casos específicos o impedimento será caracterizado. No Brasil, há menos de 500 condenados por esse crime.
Não devem ser abrangidos pelo perdão, ainda, os condenados por crimes de preconceito de raça, condições análogas à escravidão, genocídio, tortura, terrorismo, contra a administração pública e por integrarem facções criminosas.
O indulto natalino é tradicionalmente concedido pelo presidente da República para pessoas condenadas que cumprem pena em presídios. Ele tem caráter humanitário e costuma beneficiar idosos e pessoas com deficiência ou que tenham doença grave.
O último perdão de Natal, concedido por Bolsonaro em 2022, tinha um artigo inédito que agraciou todos os policiais militares condenados pelo massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, em São Paulo.
Embora não citasse nominalmente nenhum dos PMs, o texto do artigo descreve circunstâncias particulares que se encaixam perfeitamente na situação dos 74 condenados pelo assassinato de presos.
"Será concedido indulto natalino também aos agentes públicos que [...], no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de trinta anos, contados da data de publicação deste Decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática", diz o artigo 6º, inexistente nos indultos anteriores.
O indulto de Bolsonaro foi suspenso por decisão da ministra Rosa Weber, então presidente do STF, em janeiro de 2023.
Na liminar, ela destacou um relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) que declarou que o Brasil é "responsável por graves violações" aos direitos humanos, entre outros motivos, por "conceder indulto aos agentes estatais envolvidos" no massacre do Carandiru.